quinta-feira, novembro 29, 2007

I hear you



Qualquer observador do Médio Oriente tem direito a estar céptico em relação aos resultados da cimeira de Annapolis. Mas ninguém (ou pelo menos ninguém para quem o Médio Oriente é mais do que apenas um pretexto para exercitar ódios e afectos atávicos) tem o direito de abandonar a esperança na paz. Para reforçar o que já foi dito aqui sobre os que vêem o mundo a preto e branco e, especialmente, sobre aqueles que vivem intensamente uma permanente obsessão com Israel como fonte de todo o mal e obstáculo para a paz no Médio Oriente, fica aqui um curto artigo da Reuters sobe a posição do Hamas em relação a Annapolis, ou qualquer negociação séria de paz: "Let the whole world hear us -- we will not cede an inch of Palestine and we will never recognise Israel."

Finalmente, um excelente apanhado dos esforços para a paz que também marcam a relação entre israelitas (ou judeus, antes de '48) e palestinianos desde sempre. Este texto só demonstra que a visão polarizada deste conflito não resiste a um estudo - ainda que superficial - da história da região. Parabéns Margarida Santos Lopes do Público!

5 comentários:

Anónimo disse...

Não percebo como é que um blog que se reclama da liberdade - igualdade - fraternidade pode defender um estado colonialista, racista, teocrático e supremacista como é objectivamente o estado de israel. A posição claramente assumida neste post equivale a defender que a solução para o apartheid na África do Sul deveria ser o reconhecimento internacional dos bantustões e do próprio apartheid.
Afirmam a posição do Hezbollah como a razão pela qual a convivência seria impossível - Será que alguma vez o ANC aceitou e reconheceu o regime do apartheid?

Pedro Delgado Alves disse...

Caro Estouxim,

Em primeiro lugar, a sua afirmação de que Israel é um estado colonialista, racista, teocrático e supremacista pura e simplesmente não tem correspondência com a realidade. As expressões que aponta não são só adjectivos de uso indiscriminado: são conceitos com alcance preciso e cuja utilização deve ser criteriosa.

Em segundo lugar, o exemplo batido até à exaustão da similitude com o apartheid, que vai na linha da argumentação "colonialista" não sobrevive a uma análise do problema. Não me recordo da população negra ter direito de voto na África do Sul. Não me recordo da população negra ter deputados ou ministros na África do Sul. E quanto aos bantustões, fabricações do regime do apartheid sem qualquer reconhecimento internacional, entidades artificiais para enagnar incautos, espero que as não esteja a comparar a uma Autoridade Palestiniana que resulta de um acrodo internacional, cujos dirigentes são legitimados pelo voto e que assumiu, em momentos e graus diferentes, a gestão directa de diversos aspectos da coisa pública. Argumentar pela analogia com os bantustões é ainda ignorar que a solução dos dois Estados é a solução proposta pela comunidade internacional desde o plano de partição da ONU em 1947.

Finalmente, para além do peso que o conflito tem na sociedade israelita e que impede o Estado de passar a uma normalidade equivalente àquela que nós temos a sorte de gozar, Israel tem muitas imperfeições internas, de que a muito deficiente separação entre Estado e confissões é seguramente das principais. Também a mesma deficiente separação é identificável, com diferentes graus, no Reino Unido ou na Grécia ou em alguns países nórdicos até à década de 90. Daí a falar em estado teocrático vai um fosso abismal, em que a propaganda, ou o desconhecimento dos conceitos prevalecem sobre uma discussão racional.

O facto de Israel não ser uma sociedade lacizada perfeita implica que a resposta correcta e adequada passa por diabolizar todo o estado e ignorar as muitas vozes que querem resolver a questão religiosa e que também se reclamam da divisa Igualdade, Fraternidade e Liberdade? Ou será que deve passar por acompanhar, com uso da razão, uma sociedade complexa (cuja complexidade resulta, em grade medida, do facto de se tratar de uma sociedade democrática) e perceber o enquadramento histórico, político, regional do conflito e dos seus actores sem os transformar em caricaturas propagandísticas de seres humanos?

Oppenheimer disse...

Caro Estouxim

Só tenho a acrescentar o seguinte: o Estouxim parece-me uma pessoa bem informada, por isso saberá certamente que o Hizbollah (que menciona no seu comentário) é um movimento libanês xiita e que o Hamas (ao qual me refiro no meu post) é um movimento palestiniano sunita. Mas enfim, o que importa é a mensagem principal e essa você articulou muito bem. Escreva mais e traga mais amigos.

Anónimo disse...

Caro Oppenheimer:

Tem toda a razão - erro meu, mas òbviamente que me referia ao Hamas, pois é do Hamas a citação que apresenta no seu post.
Mas reitero a questão - será que o ANC alguma vez aceitou e reconheceu o regime do apartheid?
E se me permite outra, que regime identifica com liberdade - igualdade - fraternidade - o regime do apartheid ou o regime saído da vitória do ANC?

Anónimo disse...

Caro Pedro Delgado Alves:

Quanto à natureza colonial do estado de Israel, o primeiro a afirmá-la é Theodore Herzl, fundador do sionismo:
"The plan, simple in design, but complicated in execution, will be carried out by
two mediums: The Society of Jews and the Jewish Company.(4)
The Society of Jews will do the preparatory work in the domains of science and
politics, which the Jewish Company will afterwards practically apply."
(4)These became subsequently the Zionist movement and the Jewish Colonial Trust, Ltd., respectively.

"Supposing His Majesty the
Sultan were to give us Palestine, we could in return pledge to regulate the whole
finances of Turkey. We should there form a portion of the rampart of Europe against
Asia, an outpost of civilisation as opposed to barbarism."
A Jewish State by Theodor Herzl

"Je vous en prie, envoyez-moi un texte disant que vous avez examiné mon programme et que vous l’approuvez. Vous vous demanderez pourquoi je m’adresse à vous, Monsieur Rhodes. C’est parce que mon programme est un programme colonial.. »."

Carta de Herzl a Cecil Rhodes
HERZL, "Tagebuch", Vol. 3, p 105)

Vejamos a lista dos primeiros-ministros de Israel, com o local do seu nascimento:

1. David Ben-Gurion - Polónia
2. Moshe Sharett - Ucrania
3. Levi Eshkol - Ucrania
4. Golda Meir - Ucrania
5. Yitzhak Rabin - Palestina (de pais nascidos na Ucrania e na Bielorussia)
6. Menachem Begin - Bielorussia
7. Yitzhak Shamir - Bielorussia
8. Shimon Peres - Polónia
9. Benjamin Netanyahu - Israel (de pais Lituanos)
10. Ehud Barak - Palestina (de pais colonos)
11. Ariel Sharon - Palestina (de pais Bielorussos)
12. Ehud Olmert - Palestina (de pais Ucranianos e Russos)

Se Rabin, Barak, Sharon e Olmert nasceram na Palestina e Netanyahu em Israel, são todos filhos de colonos originários do leste europeu, e como os restantes são todos originários da antiga comunidade polaco-lituana. Todos askenazis. Colonos de primeira ou segunda geração. Passando por alto o facto de mesmo os judeus originários de países árabes serem considerados e tratados como cidadãos de segunda (sobre este tema recomendo-lhe a leitura do livro de Naeim Giladi - Ben-Gurion's Scandals
How the Hagannah and The Mossad
Eliminated Jews), os cidadãos árabes israelitas são, por lei, cidadãos de segunda. Não têm os mesmos direitos dos cidadãos judeus israelitas. Não podem, por exemplo, adquirir propriedades do estado. Os cidadãos judeus israelitas podem.
"Other laws and administrative regulations emphasize Israel as a Jewish apartheid state. Israeli ID cards indicate whether the holder is Jewish or not and Jews in Israel may not marry non-Jews. Non-Jewish Israelis cannot purchase government-owned land. Many Arab villages in Israel are not zoned as residential areas, as a result of which they have no access to public services such as electricity and water. The disqualification of most Arab Israelis from military service reinforces discrimination as regards social benefits, education and the like.

In Israel/Palestine today, there are three apartheid classes of people.

1. Jews are fully qualified citizens of Israel, the West Bank, Gaza and the whole world.

2. Non-Jews in Israel, mainly Palestinians (20 percent) are second class citizens

3. Palestinians are stateless non-citizens on the West Bank, in Gaza or in refugee camps in neighbouring countries."

http://www.israelshamir.net/Contributors/wilhelmson.htm

"The Citizenship and Entry into Israel Law (Temporary Order) 5763 is an Israeli law first passed on 31 July 2003 and has since been extended until 31 July 2008. The law places age restrictions for the automatic granting of Israeli citizenship and residency permits to spouses of Israeli citizens, such that spouses who are inhabitants of the West Bank and Gaza Strip are ineligible"
"Those in favor of the law, such as Ze'ev Boim, say it is aimed at preventing terrorist attacks and that "We have to maintain the state's democratic nature, but also its Jewish nature."
Critics argue that the law is discriminatory because it disproportionately affects Israeli Arabs, since Israeli Arabs are far more likely to have spouses from the West Bank and Gaza Strip than other Israeli citizens. Such critics have included the United Nations Committee on the Elimination of Racial Discrimination, which unanimously approved a resolution stating that the Israeli law violated an international human rights treaty against racism; and Amnesty International, which has argued that "[i]n its current form the law is discriminatory and violates fundamental principles of equality, human dignity, personal freedom and privacy, enshrined in the Basic Law: Human Dignity and Liberty, as well as the right of children to live with both parents, and other fundamental rights enshrined in international human rights treaties to which Israel is a party and which it is obliged to uphold."

http://en.wikipedia.org/wiki/Citizenship_and_Entry_into_Israel_Law

Creio que os exemplos acima estabelecem com precisão e critério a natureza colonial e racista do sionismo e do Estado de Israel.

Quanto ao apartheid eis o que dizia o ministro sul-africano Connie Mulder em 1978:

"If our policy is taken to its logical conclusion as far as the black people are concerned, there will be not one black man with South African citizenship ... Every black man in South Africa will eventually be accommodated in some independent new state in this honourable way and there will no longer be an obligation on this Parliament to accommodate these people politically"

Alguma diferença com a declarada política sionista do "Estado Judeu"? Não me parece... A única diferença é o facto deste apartheid ser, como muito bem diz, reconhecido e apoiado pela "comunidade internacional"

A política de colonatos, activamente promovida por todos os governos israelitas não é mais do que a prossecução do objectivo de fraccionar os "territórios ocupados" de forma a impedir que alguma vez possam sequer ter viabilidade como um estado Palestiniano autónomo, como nenhum bantustão no sistema sul-africano alguma vez poderia ter viabilidade como estado.
Convém aliás lembrar que o apartheid, na África do Sul nasce em 1948, 1 ano depois da decisão das Nações Unidas de criação do Estado de Israel. Devem ter pensado que se os judeus podem, também eles poderiam. Não puderam, mais graças aos cubanos que ás sanções, mas se de Israel dependesse ainda hoje teríamos uma África do Sul branca e racista.


"The Nobel peace laureate said he was "very deeply distressed" by a visit to the Holy Land, adding that "it reminded me so much of what happened to us black people in South Africa".

http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/africa/1957644.stm

Palavras do sul-africano e Nobel da Paz Desmond Tutu.

“...a system of apartheid, with two peoples occupying the same land but completely separated from each other, with Israelis totally dominant and suppressing violence by depriving Palestinians of their basic human rights.”

Outro Nobel da Paz, Jimmy Carter

Pelo que me parece que também aqui a utlização que fiz do conceito é precisa e criteriosa.

Quanto ao estado teocrático, apesar de, nos exemplos que dá, os países escandinavos terem uma Igreja de estado, no sentido em que a Igreja é parte integrante e dependente do poder do estado, em nenhum destes países há legalmente discriminação de cidadãos por motivo de confissão religiosa ou origem étnica sendo o papel da Igreja no aparelho de estado se resume à manutenção do registo civil. No Reino Unido a única ligação entre a Igreja Anglicana e o poder do estado é o facto de o monarca ser o "Supreme Governor of the Church of England".
Em nenhum destes países a identificação dos cidadãos é feita em função da religião professada. No caso da Grécia, a Igreja é totalmente separada do estado, mas creio lembrar-me que a identificação dos cidadãos é feita com base na confissão religiosa, não havendo também, legalmente, quaquer discriminação com essa base.

O caso de Israel é diferente. Vejamos:

"JERUSALEM - Safeguarding Israel’s Jewish majority must be a national priority, according to Israeli Prime Minister Ehud Olmert. “We must ensure that the State of Israel has a definite Jewish majority, or otherwise the notion of a Jewish state will become void,” the Israeli prime minister said on Monday during a Knesset address in memory of Zionist visionary Theodor Herzl. Olmert, like his predecessor Ariel Sharon, has justified his plan to quit parts of the West Bank by invoking the demographic threat posed by growing number of Arabs."

http://www.ajn.com.au/news/news.asp?pgID=525

Non-Orthodox Jewish couples are forced to submit to an Orthodox marriage ceremony with an Orthodox rabbi and are compelled to attend classes on family purity. No Israeli may marry outside her faith community. Hundreds of thousands of Israeli citizens from the former Soviet Union who are not Jewish or whose Jewish ancestry is in doubt are unable to marry at all inside Israel. And more women every year are chained to men they wish to divorce but who will not give them the get required by Jewish law.

Despite these problems, Israel’s Religious Zionist and haredi communities insist that holding on to the marriage reins is necessary for Jewish continuity. If Jews are allowed to marry outside Orthodox parameters, they say, a “split in the nation” will result.

There are two related worries: intermarriage and illegitimacy. Children of marriages forbidden by Jewish law, or halacha (for example, unions between a kohen and a divorcee, between close relatives, or between a man and a previously married woman who did not undergo a halachic divorce) are considered mamzerim. They and their offspring, stigmatized with an irrevocable brand of illegitimacy, may marry only other mamzerim. A split in the nation, the argument goes, will follow: mamzerut will increase dramatically and it will be difficult to keep track of mamzerim to ensure they do not wed non-mamzer Jews.

http://www.thejewishweek.com/top/editletcontent.php3?artid=4987

"Sometimes with all the infighting between Muslims, Christians, and Jews in the Middle East, not to mention among various flavors of Muslims and/or Christians, many people forget that the Jews aren't exactly one big, happy family. In fact, the Israeli Jewish community can be one big, unhappy, dysfunctional family in one very basic regard...the legal right to get married in a ceremony that reflects one's chosen level of religious observance, not to mention one's beliefs regarding gender equality.

Although Israel isn't a theocracy in the traditional sense of all facets of government being controlled by a state religion, even the Reform and secular Jewish communities, although by far in the numerical majority among Israeli Jews, are forced to conform to Orthodox religious law in matters of family status - and interfaith marriage does not exist under current Israeli law. This leads to such farces as my former officemate, an East Bloc immigrant to Israel and a rather secular Jew, being told by her synagogue that she had to schedule her wedding according to the most fertile night of her menstrual cycle, all the better to obey the Biblical command to be fruitful and multiply (in true East Bloc fashion, she left, went to another synagogue, and lied - after all, she'd already paid the deposit for the reception).

In what other alleged democracy do more than 25% of the majority religious group feel the need to leave the country in order to complete a primary life cycle event? And how many modern Israelis are likely to be virgins on their wedding night?"

http://www.aqoul.com/archives/2005/09/two_jews_three.php

"Only 20% of Israel's population are Orthodox Jews, yet the Rabbinate, the chief council of Orthodox rabbis, has ultimate authority over Jewish weddings, funerals and all other areas where religion and daily life come together."
"Israel is one of only a handful of countries which still has no civil marriage"

http://news.bbc.co.uk/1/hi/programmes/this_world/4215160.stm

A não ser que consideremos os judeus como uma raça, como o nazismo fazia, judeu será, necessáriamente, quem professa a religião judaica. Assim, sendo o estado de Israel, por definição própria, a pátria dos judeus, com políticas que conduzem à exclusão dos não judeus, e com um direito de família regido por normas religiosas estritas, que outra conclusão podemos tirar senão de que se trata de uma teocracia?

Pelo que me parece que também aqui usei o conceito de forma precisa e criteriosa.

Por último, e no que se refere ao conceito de supremacista, teria que entrar numa análise mais rigorosa e alongada acerca dos conceitos da religião judaica e da sua relação com a política do estado de Israel, nomeadamente os conceitos de "terra prometida" e "povo eleito". Porém como esta resposta já vai longa, concluo com o atrevimento de perguntar de novo - como é que um blog que se reclama da liberdade - igualdade - fraternidade pode defender um estado colonialista, racista, teocrático e supremacista como é objectivamente o estado de Israel?

Claro que tenho presente que o estado que primeiro se reclamou da liberdade - igualdade - fraternidade, a Republica Francesa, não se inibiu de ser também, e depois dessa reclamação, um estado colonialista, racista, e às vezes supremacista, se bem que nunca teocrático. Mas quando o fez estava, objectivamente a trair os valores de que se reclamava. Espero que não seja esse o seu caso.