O cidadão Burnay, de quem gosto muito, diz que eu não quero discutir o Estado Novo porque acho que já sei tudo. E que não "entendo" bem o Estado Novo, porque, cegado que estou pela ideologia, não vejo os factos. E que o Estado Novo é muita complexo e tal e que ainda não foi suficientemente discutido. Aprecio de sobremaneira o recém-descoberto amor do cidadão Burnay pela "complexidade" e pelo "diálogo".
O cidadão Burnay não sabe que a(s) ditadura(s) me repugnam sem reservas. Ao contrário dele que divide as ditaduras em dois tipos: ditaduras dos "maus" (comunas, nazis e "outros") que devem ser condenadas sem piedade e as ditaduras dos "tipos-que-são-como-nós-numa-altura-difícil-enfim-não-sejamos-demasiado-severos-cuidado-com-os-juízos-apressados" (Portugal).
Podemos discutir a ditadura cubana ad aeternum que ela continua a repugnar-me. Enfim, é uma questão de princípio, ou, como lhe chamaria o cidadão Burnay: patologias ideológicas.
O cidadão Burnay acha que ainda não se falou o suficiente sobre a história recente portuguesa e que mais debate revelaria a verdadeira complexidade do regimezinho do Estadozinho Novozinho. (Também anda aí um bandido que diz que ainda não se debateu suficientemente do Holocausto, que é preciso mais debate sobre essa questão complexa. Mas nada disto nos deve surpreender: o cidadão Burnay até acha que ainda é cedo para tirar conclusões da guerra do Iraque; "vais ver, pá, aquilo ainda vai ser um sucesso; vai ser só turismo rural, workshops sobre as virtudes da propriedade privada e IKEA em todo o lado; já estou a ver o mundial de futebol de 2042 a ser co-organizado pelo Iraque e pelo Kuweit").
Falou-se pouco da ditadura em casa do cidadão Burnay, ao contrário da minha. Lá em casa falava-se muito do regime. Aprendi a odiar o Estado Novo porque sei os factos. Chamar-me ignorante não faz do Estado Novo menos ditadura, cidadão Burnay. Só faz de si menos tolerante.
Mas o cidadão Burnay tem uma grande virtude. E eu vou dizer qual é no próximo post porque mesmo assim preciso de tempo para pensar.
segunda-feira, março 26, 2007
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4 comentários:
Agora a reposta já é só aqui, que o 31 não é mesa de pingue-pongue. E os nossos leitores (que são inteligentes, por isso é que são nossos) não precisam de assistir à versão detalhada da conversa.
Três coisas rápidas. O David não sabe ler. Se soubesse, não dizia que eu digo coisas que não digo. Eu digo que no País não se discute o Estado Novo como se de História e não de ideologia se tratasse, o David responde aos berros, tipo manif. Dá-me razão sem sequer lhe ter pedido que desse.
O David acha que discutir o Estado Novo é igual a questionar a existência do Holocausto. O David é parvo porque sugere que se compare o Holocausto com o Estado Novo e porque acha que discutir é igual a negar (o David parece achar que entre um debate sobre história e o discurso de um facínora em Teerão não há diferença nenhuma).
O David, que é culto, não vai ao cinema nem lê livros. Ou vai e lê e depois não percebe o que leu e o que viu. Se não já tinha reparado que noutras partes do mundo onde houve ditaduras (bem piores por acaso, porque todas as ditaduras são más mas reconheçamos que há umas ainda piores) é normal discutir-se como foi possível um povo resignar-se, ou aceitar, ou não ter combatido ou que quer que seja que aconteceu e as pessoas inteligentes querem compreender. Ou seja, o David gostava que os maus estivessem todos de um lado e os bons do outro. E que para além de "Bom" e "Mau" não houvesse mais nada para perceber. É por isso que precisa tanto de trazer o Iraque para esta discussão. Porque aí - ao contrário de outros temas da política internacional - estamos em desacordo, e isso tranquiliza a visão bicromática que o David tem do Mundo.
E consegui dizer isto tudo sem falar da casa do David, para não dizer os disparates que o David disse da minha. Mas como o David é ignorante, no mais literal sentido da palavra, mesmo que lesse o meu nome até ao fim não percebia os disparates que diz.
Sabes, David, o que nos distingue é que tu achas mesmo que estas coisas são simples e que a Esquerda é boa e a Direita é má. E essa simplicidade é difícil de discutir.
Henrique
Sem desmentir que o David e' intemperado no tom, nao esqueci umas trocas antigas de mimos sobre a Palestina e Israel. Parece-me tambem muito facil este apelo do Henrique 'a complexidade para fazer lamacal da denuncia e dar tacita aprovacao.
Ha uma vontade da direita portuguesa, incluindo a nova liberal, de fazer pazes com o passado fascista. Talvez o argumento que mais vos agradara' e' que o exercicio e' perigoso para a legitimidade do regime presente, esta Republica precisa da mitologia do 25 de Abril. Mas para mim mais me agride estas poses escolasticas de Lucianos Amaral e afins que sao caloes na historia que fazem, e que enterram o debate em preconceitos e fantasias. Eu com eles nao aprendo nada, e para quem acredita que este pais ainda nao se descobriu isto e' so' ruido.
Apraz-me ver que e' mais calmo aqui no seu recanto do que quando visita as minhas bandas, ate me chama de "caro". Ou sera ironico? Pera!?
Eu nunca comparei o Meshaal ao Mandela! Defendi as eleicoes palestinianas e censurei o embargo 'a Palestina. Acusei a politica do muro e dos checkpoints de ser separatista racialmente, uma versao de Apartheid.
So' se for isso... Eu ao criticar Israel apoiando o plesbicito Palestino so' posso ser um adepto fervoroso do Hamas, um cheerleader do terrorismo. Um bocadinho maniqueista esta ordem no pensar. E talvez por consequencia o IRA hoje devesse continuar arredado do poder na Irlanda, acossado de terrorista. Mas eu nao sou especialista, nao estou em Bruxelas, portanto nao ligues...
Caro Cabral
Já tinha saudades suas. Se a memória não me falha é o Cabral que vê no Hamas uma combinação entre movimento de libertação e partido-modelo de espírito democrático: assim tipo ANC, mas com o Khaled Meshaal em vez do Nelson Mandela.
Desde que falámos a última vez tentei temperar o meu tom, mas como vê não consegui.
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