Cavaco agora a ser entronizado à varanda do palácio que construiu (quem sabe também pensando neste dia?) e que foi a sua obra de regime, falando manso, firme e hirto como um menino bem comportado à espera de tomar a hóstia no dia da sua primeira comunhão. O semblante é o de quem diz "agora que ganhei o meu espírito é de serviço, de servir Portugal nesta hora de gravidade". Ou será de alguém que esperava a goleada, ou ganhar por margem confortável pelo menos, e acabou a ganhar por 1-0, com um golo marcado nos últimos cinco minutos de jogo, quase a ir a prolongamento?
Não há que transformar derrotas em vitórias, nada de vitórias morais - nisso acompanho Alegre. Mas as seis décimas caem como alívio moderado no espírito de quem se habituou a ouvir que a segunda volta era uma miragem, que a coisa estava garantida. A coisa garantiu-se, mas a segunda esteve perto, muito perto.
Este blog viveu momentos de hesitação, como se viu pela parca publicação dos últimos dias. A actualidade do país estava afundada nas presidenciais e o tema suscitava cautela, porque a escolha no horizonte apenas excluía Cavaco.
No rescaldo ficará uma esquerda à procura de redefinição, num processo onde Alegre soube ganhar o seu papel. Alegre não seria o candidato ideal, cometeu muitos erros ao longo da campanha, mas a sua campanha foi limpa e bonita. O partido que se fala ir nascer não existe. Alegre capitalizou o voto dos descontentes da política, mas nunca se desvinculou do partido. Nunca pôs os partidos na gaveta - o que disse foi que a política não se faz só com os partidos, e esta é uma novidade na política portuguesa, depois de um Bloco de Esquerda que de epifenómeno deu em partido instalado com a presunção de se assumir como o contrário.
A mobilização que se registou à volta da candidatura de Manuel Alegre, com a desorganização e amadorismo que ficaram patentes, tem o mérito de refrescar a democracia. É uma das coisas que a imperfeita democracia americana tem de melhor. Converter este significado político em partido seria uma enorme asneira.
À atenção do PS está retirar a lição de uma eleição em que o seu eleitorado se desgarrou. A Manuel Alegre pede-se que saiba gerir, dentro do seu partido, o capital e o prestígio que conquistou com inteligência e humildade. A sua declaração desta noite descansa-me. Foi imensamente superior a uma Ana Gomes ressabiada, que disse que o candidato «devia estar alegre pela derrota da esquerda». A um aparelho socialista, orgulhoso a roçar o autista, vai custar perceber que o divisor não foi Alegre, que sem ele não seriam seis décimas, nem provavelmente só seis porcento. A democracia tem este jeito engraçado de ensinar alguma coisa a quem não quer aprender.
Quanto às seis décimas, são o suficiente para que não se veja no rosto de muita gente o sorriso triunfante de quem está por cima. Não foi mau.
P.S. 1 (como em post scriptum): A sondagem da RTP foi a menos eufórica, e a que mais se aproximou do resultado final. Uma palavra de congratulação a Pedro Magalhães, autor deste blog, exemplo de sobriedade e rigor a trabalhar com algo tão propenso à perversidade como são as sondagens.
P.S. 2: No meio disto tudo, tive uma consolação: a minha Aveiras foi Alegre.
Não há que transformar derrotas em vitórias, nada de vitórias morais - nisso acompanho Alegre. Mas as seis décimas caem como alívio moderado no espírito de quem se habituou a ouvir que a segunda volta era uma miragem, que a coisa estava garantida. A coisa garantiu-se, mas a segunda esteve perto, muito perto.
Este blog viveu momentos de hesitação, como se viu pela parca publicação dos últimos dias. A actualidade do país estava afundada nas presidenciais e o tema suscitava cautela, porque a escolha no horizonte apenas excluía Cavaco.
No rescaldo ficará uma esquerda à procura de redefinição, num processo onde Alegre soube ganhar o seu papel. Alegre não seria o candidato ideal, cometeu muitos erros ao longo da campanha, mas a sua campanha foi limpa e bonita. O partido que se fala ir nascer não existe. Alegre capitalizou o voto dos descontentes da política, mas nunca se desvinculou do partido. Nunca pôs os partidos na gaveta - o que disse foi que a política não se faz só com os partidos, e esta é uma novidade na política portuguesa, depois de um Bloco de Esquerda que de epifenómeno deu em partido instalado com a presunção de se assumir como o contrário.
A mobilização que se registou à volta da candidatura de Manuel Alegre, com a desorganização e amadorismo que ficaram patentes, tem o mérito de refrescar a democracia. É uma das coisas que a imperfeita democracia americana tem de melhor. Converter este significado político em partido seria uma enorme asneira.
À atenção do PS está retirar a lição de uma eleição em que o seu eleitorado se desgarrou. A Manuel Alegre pede-se que saiba gerir, dentro do seu partido, o capital e o prestígio que conquistou com inteligência e humildade. A sua declaração desta noite descansa-me. Foi imensamente superior a uma Ana Gomes ressabiada, que disse que o candidato «devia estar alegre pela derrota da esquerda». A um aparelho socialista, orgulhoso a roçar o autista, vai custar perceber que o divisor não foi Alegre, que sem ele não seriam seis décimas, nem provavelmente só seis porcento. A democracia tem este jeito engraçado de ensinar alguma coisa a quem não quer aprender.
Quanto às seis décimas, são o suficiente para que não se veja no rosto de muita gente o sorriso triunfante de quem está por cima. Não foi mau.
P.S. 1 (como em post scriptum): A sondagem da RTP foi a menos eufórica, e a que mais se aproximou do resultado final. Uma palavra de congratulação a Pedro Magalhães, autor deste blog, exemplo de sobriedade e rigor a trabalhar com algo tão propenso à perversidade como são as sondagens.
P.S. 2: No meio disto tudo, tive uma consolação: a minha Aveiras foi Alegre.
9 comentários:
A tese de que a esquerda dividida valia mais que a esquerda unida foi derrotada, mas lamentavelmente quem a dividiu não quer perceber isso e insiste na divisão. Há esquerda mais burra que esta esquerda divisionista?
Há. Mais burra só a esquerda unanimista, que se arrisca a tornar-se esquerda inanimada.
Se não fosse a esquerda unida nem Soares nem Sampaio alguma vez tinham estado em Belém. Unida, a esquerda derrotou Freitas e Cavaco, desunida deixou-se bater por Cavaco. Mas há gatos que degeneraram...a maioria até é esperta.
A propósito, há pouco esqueci-me: onde é que ficou demonstrada a derrota da tese da esquerda dividida? Também eu preferia que a esquerda se unisse para as presidenciais, e não só. O divisor não foi Alegre. Sem os votos que foi buscar a muita gente desiludida com a política que de outra forma não votaria nunca em Soares, sem os votos que foi buscar a um centrão que acabou por não votar Cavaco Silva, quem é que diz que em vez das seis décimas não seriam seis por cento ou mais?
Registo que o seu conceito de unidade de esquerda passa por começar a chamar burro a alguém com quem não concorda, mesmo que esse alguém seja de esquerda e preze a unidade. Com mimos desses posso eu bem. Só sou sensível a bons argumentos.
Por mim, acho que chamar burro a alguém como começo de conversa é coisa de idiotas. Demonstra falta de argumentos. Por isso não retribuo o elogio.
Estou 100% de acordo com o escrito, as minhas felicitações a Pedro Magalhães. Foi de facto, sóbrio e sereno nas análises feitas, já começam a tornar-se peças de teatro (cómico) as intervenções de Rui Oliveira e Costa acerca de sondagens...quem não se lembra da sua intervenção na noite das eleições americanas?
Há 11 meses o PS teve 2.573.406 votos; agora, Soares e Alegre tiveram 1.903.066 votos, isto é tiveram MENOS 670.340 votos.
Há 11 meses PSD+PP tiveram 2.054.162 votos; agora, o Cavaco teve 2.745.523 votos, isto é MAIS 691.361 votos.
Há 11 meses o BE teve 364.407 votos; agora, o Louçã teve 288.216 votos, isto é MENOS 76.191 votos.
Há 11 meses a CDU teve 432.000 votos; agora, o Jerónimo teve 466.422 votos, isto é MAIS 34.422 votos.
A soma dos votos perdidos pelas candidaturas de Soares, Alegre e Louçã foi de 704.762 votos e Cavaco ganhou por ter tido mais 64.199 votos que os restantes candidatos...e o único candidato que de facto contribuiu para enfraquecer Cavaco foi Jerónimo! Mas não chegou para anular as perdas do Soares, Alegre e Louçã.
Caro Ivan: como me lembro da intervenção de Oliveira e Costa na noite das eleições americanas! Foi a partir daí que vi o valor da peça.
Cara Margarida: pela maneira como é dada a silogismos, diria que a menina é leninista. Mas talvez seja só a minha tendência para não querer ver outra coisa que seja mais evidente.
Realmente, Jerónimo teve um acréscimo de votação de fazer inveja a esse mobilizador de massas chamado Garcia Pereira. Também tenho apreciado o trabalho de Jerónimo pela unidade da esquerda.
Continue a valorizar este blog. A malta aqui aprecia estatísticas.
Mas eu não apresentei estatísticas, eu apresentei resultados comparados das presidenciais de 2006 com as legislativas de 2005.
Enviar um comentário