quarta-feira, junho 01, 2005

França

Segunda-feira foi um dia cinzento em Bruxelas. Em todos os sentidos. Quase que se ouviam os travões a fundo do comboio da integração europeia a parar. Por um lado, o Tratado de Nice não é assim tão mau. Tem funcionado a 25 há um ano. Por outro, lá se vai o MNE europeu, cooperação estruturada na área da defesa e personalidade jurídica para a União, alguns exemplos.

Não me interessa se os franceses estão desempregados, não me interessa se o presidente deles é impopular, passa-me ao lado o debate da 'délocalisation', não sinto qualquer nostalgia em relação à soberania de antigamente, não me assustam nada as 'hordas de estrangeiros' no mercado de trabalho, já aprendi a viver com a falta de escrúpulos do neo-liberalismo e com a eterna dança de compromissos que representa o projecto europeu. Problemas temos todos. Problemas tem o nosso país. O que é que a Constituição tem a ver com o desemprego em França? E com o paternalismo gaullista de Chirac? E com os defeitos da 5a República? E com as forças nefastas da globalização? E com a perda de influência da França na União? Nada. Mas foi contra a Constituição que decidiram votar.Na democracia não há respostas 'erradas'. Temos que viver com o facto de que a França se sente insatisfeita com o rumo que o continente leva.Mas este resultado revela que as elites políticas em França andaram a brincar com o fogo durante muito tempo. Convenceram os seus concidadãos que a Europa estava a ser moldada à imagem da França e que a União era uma espécie de caixa de ressonância para as aspirações de grandeza gaulesas. Por outras palavras, a retórica em relação à Europa em França nunca passou pelo doloroso processo de emancipação de paradigmas soberanistas e nacional-chauvinistas. Enquanto que as políticas iam sendo aplicadas, a retórica recusava-se a render-se verdadeiramente à ideia da partilha da soberania. A França esquizofrénica participava na integração dos processos de decisão nas instituições da União, ao mesmo tempo que apresentava essas mesmas instituições como meios para o fim da glória e da grandeza nacionais. Já a Alemanha acompanhou a integração europeia com uma genuína recalibragem do discurso sobre o poder, a nação, a política. As nações pequenas também. Para estas tratava-se de um preço baixo a pagar em relação à segurança e à estabilidade que o projecto europeu lhes concedia.

A França neste momento parece um adolescente birrento que está zangado porque "ser adulto é muito mais difícil do que eu pensava", e "não foi nada disto que me prometeram", "não me avisaram que ia ser duro", "pensava que ia ser giro e tal."

Quanto ao PSF, este está, como se diz na gíria da ciência política 'entregue à bicharada'. Hollande ferido de morte, Fabius legitimado mas sem qualquer hipótese de levar a cabo uma liderança consensual depois de ter apunhalado o partido nas costas - possibilidade de cisão?

Depois das eleições indescritíveis de 2002, estes últimos desenvolvimentos demonstram que a França (ou talvez a 5a República, se preferirem) se encontra em plena crise ideológica, demasiado ocupada consigo mesma para sequer ter tempo para a Europa. A França neste momento não passa de um país banal, medíocre, um líder europeu falhado. Não contem com ela para nada. Jefferson dizia que "cada homem [ele devia ter dito 'pessoa', mil desculpas caras cidadãs] tem duas pátrias e uma delas é a França". Sinto-me mais órfão.

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