O Acórdão da Relação de Lisboa sobre o despedimento do cozinheiro com HIV tem provocado uma enorme confusão de questões, de natureza diferente.
Há uma primeira questão jurídica de fundo, relevante para casos futuros e que se reduz às seguintes três frases: Os médicos garantem que não há risco de contágio; O parecer pedido pela Comissão Nacional de Luta contra a Sida vai no mesmo sentido; O Tribunal da Relação discorda e absolve o empregador. O problema: qual deve ser a margem de apreciação técnico-científica de um órgão que não tem habilitações para o efeito. Essa é a principal questão em discussão, que Vital Moreira acertadamente identifica e procura resolver.
Há uma segunda questão jurídica, que passa pela desproporcionalidade do acto de despedimento e que não parece ter sido abordada: caso se entendesse que a situação do trabalhador criaria um risco (o que a ciência médica parece recusar), não haveria soluções intermédias que salvaguardassem a sua relação laboral, sem recurso ao despedimento?
Para além destes, há um outro debate, alargado, sobre risco na sociedade contemporânea que está a ser confundido com este caso concreto. Qual o grau de certeza necessário para determinar a existência de um risco inaceitável? É uma discussão em curso, desde o Direito do Ambiente ao Direito da Medicina. Não é de ontem, e por cá continuará e evoluirá consoante o conhecimento científico vai também evoluindo. Helena Matos, por exemplo, pergunta "e se for um cirurgião?" A questão é legítima, mas não interessa ao caso: não era um cirurgião, o risco não é comparável.
Finalmente, coloca-se ainda uma outra questão quanto a confidencialidade, novamente um debate jurídico com vários anos e com equilíbrios delicados entre interesses dos vários agentes em presença e que não se pode reduzir, como faz João Miranda, também no Blasfémias, a uma pergunta: "Se um hotel tem um cozinheiro com HIV, essa informação deve ou não deve ser comunicada ao cliente?" A resposta dá-se também em forma de pergunta: Se um blogue tem um autor que não compreende o alcance dos direitos fundamentais dos seus concidadãos e que simplifica drasticamente todas as discussões complexas deve ou não comunicá-lo ao leitor?
2 comentários:
tens errado o link do vital moreira (ou então estamos perante um exercício deveras irónico ;-))
Obrigado! Isto de postar às quatro da manhã dá nisto!
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