terça-feira, novembro 27, 2007

Notas sobre uma travessia do Atlântico


Há 200 anos, empacotámos literalmente o Estado em caixotes e fomos para o Brasil. Apesar dos preparativos terem deixado para sempre o ar de uma fuga mal preparada e de as populações deixadas à mercê do invasor francês terem para sempre conservado o sentimento de abandono, o embarque representou a colocação em prática de uma ideia francamente revolucionária para o espaço luso-brasileiro e cuja consequências, boas e más, marcariam de forma determinante a história dos dois países durante décadas. Mais do que uma atabalhoada fuga, hoje já se identificam linhas de pensamento estratégico por detrás da opção da partida para os trópicos, a concretização de uma ideia com várias décadas e o reconhecimento do imenso potencial de desenvolvimento do Brasil.
Conforme afirmam vários autores, a verdadeira independência do Brasil começa a desenhar-se, muito antes das margens do Ipiranga ou da elevação a Reino, no momento da chegada do príncipe regente a Salvador da Baía, em 1808. No primeiro acto soberano praticado por um monarca europeu no continente americano, a abertura dos portos acaba, de facto (e, em parte, de iure), com o estatuto colonial. Se a isso acrescermos a consolidação territorial empreendida pelo princípe regente nos anos da sua estadia ("garantindo" a Amazónia e consolidando a fronteira a sul), a criação de instituições políticas e administrativas autóctones (antecipando por vezes o seu aparecimento naquela qua ainda continuava formalmente a ser a Metrópole, como foi o caso do Banco do Brasil ou das Academias Militares e Naval), a edificação de uma verdadeira capital no Rio de Janeiro ou o desenvolvimento científico e cultural do território, poderemos concluir por um balanço francamente positivo para a parcela americana do império Português.
Já a "parcela europeia" teria uma evolução mais negativa, penando e insurgindo-se contra a ocupação francesa, esgotando-se com a sua fatia da Guerra Peninsular, ficando submetida à tutela e ao quase-governo militar britânico durante quase uma década e ressentindo-se economicamente do fim do monopólio colonial brasileiro. Em 1820, cumulando aspirações liberais ao facto de se estar farto de ter de ir a despacho no Rio de Janeiro, inaugura-se o capítulo liberal. Para D. João VI é que foi pior: acabou-lhe com o sonho brasileiro, forçando-o a voltar para junto dos seus saloios e para um Portugal em turbilhão, que lhe terá provavelmente parecido claustrofóbico e saudoso daquela partida caótica em Novembro de 1807...

1 comentário:

José Reis Santos disse...

Excelente. Destaquei na «Loja»