segunda-feira, junho 18, 2007

Quinta República e meia?

Conforme tinha escrito no meu post sobre a segunda volta das legislativas francesas, os recentes actos eleitorais franceses colocam várias questões interessantes quanto à evolução do sistema político local.

A primeira das questões reporta-se a um possível reforço da matriz presidencial no quadro do sistema semi-presidencialista. Curiosamente, a transformação ficará a dever-se em parte à eliminação do tradicional septennat presidencial e a passagem a um mandato de cinco anos que, devido à consequente reconfiguração do calendário eleitoral, tenderá a produzir maiorias parlamentares coincidentes com as do presidente. É certo que as duas eleições de Mitterand foram seguidas de dissoluções parlamentares que produziram precisamente esse efeito, pelo que sempre se poderia dizer que a mudança não é tão significativa quanto isso. Contudo, a alteração elimina pura e simplesmente a realização de uma eleição legislativa intercalar, tendencialmente castigadora da eventual impopularidade da maioria governamental/presidencial, e reduz igualmente a tentação de provocar dissoluções para evitar esse efeito (ou seja, torna improvável o aparecimento de um cenário como aquele que em 1997 levou Chirac a dissolver a Assembleia Nacional).
Claro está que para além das alterações jurídico-constitucionais, a chegada ao poder de um presidente dotado de uma ampla maioria parlamentar em que o seu partido (que controla inequivocamente) é hegemónico, também contribuirão para a eventual presidencialização. Os anos de Sarkozy podem ser significativos se, conforme tudo indica, vierem a representar uma forma diferente de exercício da magistratura presidencial.

A segunda questão é velha, mas não perdeu (antes adquiriu) particular actualidade: o sistema eleitoral para a Assembleia Nacional. O escrutínio maioritário a duas voltas representa um seguro de vida para os governos – é praticamente inconcebível a ausência de uma maioria para o partido (ou melhor dito, bloco de partidos) vencedor. Contudo, o facto do peso dos quase 8% de Bayrou e do seu Movimento Democrático quase não se fazer sentir na conversão de votos em mandatos podem reavivar o debate. À sua voz poder-se-á juntar um PCF receoso de conseguir continuar a eleger no quadro do sistema maioritário a duas voltas e para o qual o mecanismo da proporcionalidade poderia ser um conforto.


Até hoje, a única experiência da V República com a representação proporcional, nas eleições de 1986, até produziu uma maioria parlamentar (de um deputado apenas, é certo) para a UDF, RPR e outros partidos de direita, mas a memória não foi positiva e a nova maioria regressou ao sistema clássico. Aliás, datam desse acto eleitoral os únicos deputados eleitos pela Frente Nacional para o parlamento francês (35, tantos como os do PCF), o que também não deixa boas memórias – o sistema maioritário tem funcionado também como barragem à sua entrada na Assembleia Nacional.

Perante a maioria actual e a previsível estabilidade do ciclo político, é natural que nada mude e que as exigências proporcionalizantes do MoDem sejam objecto do tratamento que tem sido dado a semelhantes reivindicações dos Liberal Democrats britânicos quanto às eleições para Westminster: isso da proporcionalidade é muito, muito giro, é muito moderno, em princípio têm toda a razão, mas para já não…

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