quarta-feira, maio 30, 2007

Os verdadeiros opressores


O dia da greve deu em parte o resultado que se esperaria: guerra de números entre governo e sindicatos quanto às adesões. Também deixa algumas preocupações suscitadas pela CGTP que, a serem verdadeiras, representam uma necessidade de estar alerta quanto à garantia do direito fundamental à greve: intervenções da GNR para impedir piquetes, recolha do nome dos grevistas apesar da posição em contrário assumida ontem pela CNPD.

Contudo, no contexto do dia de greve, destaca-se uma análise em particular. Pelo meio de um chorrilho de disparates, João Miranda no Blasfémias descobriu que os sindicatos são os verdadeiros opressores da classe operária, não passando de um grupo de privilegiados corporativos a defender os seus apenas.
Segundo a sua argumentação, os funcionários públicos e das empresas públicas parecem ser os únicos que estão sindicalizados. De facto, ao criticar os sindicatos por todos os males do país, a argumentação que dispende assenta na sua identificação com os sindicatos da função pública.
Depois, parece que estes funcionários públicos malandros são receptores líquidos dos impostos, ao passo que os demais trabalhadores (construção civil, cafés e restaurantes e empregadas de limpeza) são os pagadores líquidos desses impostos. Aparentemente, não são os funcionários públicos aqueles cujo rendimento até já vem pré-preenchido na declaração electrónica de IRS e em relação aos quais a fuga ao fisco é mais difícil. E aparentemente os funcionários públicos também só servem para receber dinheiro dos contribuintes, sem mais. Eu tinha a ideia, absurda por certo, de que prestavam serviços à colectividade e em função disso eram remunerados (não de forma muito espectacular, até consta). Enfim...
A conclusão final é a de que, sendo os trabalhadores da construção civil, dos restaurante e cafés que menos fazem greve, apesar de serem os mais desfavorecidos, a greve geral não é convocada para os defender, antes serve a finalidade do sindicalismo que é a exploração destes trabalhadores. Este raciocínio quer convencer-nos que a culpa da não adesão à greve destes trabalhadores é dos sindicatos. Não decorre nem das condições mais precárias e da pressão patronal que estes trabalhadores enfrentam e que dificultam o exercício do direito à greve, nem resulta do facto de serem áreas em que muitas vezes não há adequada formalização dos contratos de trabalho.
Não contesto que os sindicatos não sejam organizações perfeitas, que a sua estratégia de defesa dos direitos dos trabalhadores nem sempre é a mais acertada e que não cedam à pressão dos grupos que defendem ou de organizações partidárias às quais possam estar mais ligados. Nem sequer concordo com a esmagadora maioria dos fundamentos para a convocação da greve de hoje e, sendo um dos malvados funcionários do Estado, não fiz greve. Partir daí para distorcer a natureza do movimento sindical e o seu papel incontornável na defesa dos trabalhadores, questionando subrepticiamente o recurso ao direito fundamental à greve, só mesmo na argumentação retorcida e simplista como a que se transcreveu.

Com afirmações com as que se seguem, o Prof. César das Neves que se ponha a pau porque já há quem, escrevendo no DN, esteja a tentar competir com o rei do disparate: "Esta é mais uma das características do sindicalismo. Cria grupos de privilégios que graças a um poder negocial acima da média conseguem viver à custa dos excluidos."




PS: Pelo meio adiciona-se mais uma declaração assertiva e que fica por demonstrar: os sindicatos nunca defendem os desempregados. E isto e isto, por exemplo, são o quê? Bastava googlar ou ir directamente ao site da CGPT e da UGT para ficar a saber. Já agora, até bastava olhar para o cartaz que convoca a greve de hoje para perceber que não é assim...

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