quarta-feira, maio 30, 2007

As lições da história

Lembro-me de estar sentado na Real Fábrica no Largo do Rato a conversar sobre o Iraque, o 11 de Setembro, a legitimidade da tortura etc com o cidadão Delgado Alves e alguns convidados dos EUA e do Reino Unido. Corria o longínquo ano de 2002. É interessante olhar para atrás e lembrar a fúria de alguns em alterar completamente os paradigmas legais e morais que nos têm guiado há 60 anos. Porquê? Por causa do 11 de Setembro.

Em 2002, zénite do reino intelectual neo-conservador e da 'guerra contra o terrorismo' (expressão entretanto oficialmente abandonada pelo Pentágono), alguns dos nossos convidados estavam preparados para invadir o Iraque com ou sem "segunda resolução"; achavam que as Convenções de Genebra eram na melhor das hipóteses uma relíquia do passado, mas mais provavelmente um perigoso obstáculo no caminho da luta eficaz contra o Mal; e, em geral, não conseguiam pronunciar as palavras Nações Unidas sem um esgar de desprezo: em todas as questões que os preocupavam - as armas de destruição maciça iraquianas apontadas às capitais do mundo livre e a necessidade de evitar mais ataques terroristas - as Nações Unidas não passavam de um 'talking shop' inútil e anacrónico, uma força de bloqueio nas mãos de países (França e Rússia, sobretudo) que sacrificavam os imperativos da luta contra o Mal (Iraque, terrorismo, tudo misturado...) em nome da mesquinhez do anti-americanismo e dos negócios do esquema oil-for-food. Era simples: os EUA e o Reino Unido estavam preparados a defender o mundo livre; Paris e Moscovo queriam defender os seus próprios interesses e a sua própria carteira. Ergo, quem quer que não alinhasse com as posições de Londres e Washington nos debate sobre Guantanamo e Iraque ... era acusado de ser porta-voz do Kremlin e do Eliseu...

Agora tudo mudou, e os apologistas da necessidade de desmontar a arquitectura legal e institucional globais estão ou mudos ou na defensiva. É bom ter razão. É bom ver recompensada pelos factos a decisão, nos anos difíceis de 2002/3/4, de não se deixar arrastar pelo ódio, pelo medo e pelo discurso do "este perigo é mais perigoso do que os outros perigos e justifica ignorar tudo o que a história nos ensinou."

Escrevo isto por causa deste artigo do New York Times. São artigos como estes que me levam a perdoar o NYT por não ter resistido à tentação, em 2002/3, de repetir a linha oficial da Casa Branca sobre as iminentes armas de destruição maciça iraquianas. Entretanto, o NYT desculpou-se e fez um tremendo mea culpa. Artigos como este demonstram que este jornal voltou a ser, senão o melhor do mundo, então o segundo melhor logo a seguir ao Público.
Uma passagenzinha para dar uma ideia:

"But some of the experts involved in the interrogation review, called “Educing Information,” say that during World War II, German and Japanese prisoners were effectively questioned without coercion.
“It far outclassed what we’ve done,” said Steven M. Kleinman, a former Air Force interrogator and trainer, who has studied the World War II program of interrogating Germans. The questioners at Fort Hunt, Va., “had graduate degrees in law and philosophy, spoke the language flawlessly,” and prepared for four to six hours for each hour of questioning, said Mr. Kleinman, who wrote two chapters for the December report.
Mr. Kleinman, who worked as an interrogator in Iraq in 2003, called the post-Sept. 11 efforts “amateurish” by comparison to the World War II program, with inexperienced interrogators who worked through interpreters and had little familiarity with the prisoners’ culture. "


Sem comentários: