sexta-feira, julho 07, 2006

Um novo Líbano?







É triste o que se passa em Gaza. Sem entrar em grandes análises, uma coisa é clara. Quem me dera que os Territórios Ocupados fossem o Líbano. Israel já desenvolveu um modus vivendi com o Hizb'allah. Quando a situação interna libanesa assim o exige, o Hizb'allah faz de conta que 'resiste', manda uns mísseis, faz uns raids etc. Israel responde, destrói uns campos de treino do lado libanês, depois os dois lados comunicam um com o outro e acabou. Israel fica contente de não ter de levar a cabo operações mais robustas (de que é capaz) e o Hizb'allah voltou a provar que 'resiste' e que é importante e que precisa do armamento pesado que tem, apesar de Israel já não estar no sul do Líbano, e de os outros libaneses quererem paz e sossego.

O problema com os palestinianos, para além da sua fragmentação política, é a falta de racionalidade táctica e estratégica. Os movimentos palestinianos lançam mísseis para dentro de Israel indiscriminadamente, o que não permite a Israel desenvolver um modus vivendi com eles, uma espécie de entendimento tácito de "até aqui, tudo bem, mas a nossa linha vermelha é esta". Sem que haja primeiro este tipo de 'diálogo' ao nível militar, é muito difícil conceber o diálogo político: os israelitas têm colonos em Gaza, os palestinianos lançam mísseis contra os colonatos; os israelitas tiram os colonos de Gaza, os palestinianos lançam mísseis contra a cidade israelita de Sderot; os israelitas assassinam terroristas, os palestinianos lançam mísseis contra a cidade israelita de Sderot; os israelitas aplicam força a mais, até desproporcionada, matando civis, os palestinianos lançam mísseis contra a cidade israelita de Sderot; os israelitas capturam membros da Jihad Islâmica, os palestinianos lançam mísseis contra Sderot; os israelitas, por via do Ministro da Defesa trabalhista, decidem aumentar o número de palestinianos que podem entrar em Israel para trabalhar, os palestinianos lançam mísseis contra a cidade israelita de Sderot; os israelitas, mais uma vez por via de iniciativas dos membros trabalhistas do governo, decidem abrir por mais tempo o posto fronteiriço de Karni para permitir que palestinianos importem e exportem produtos, os palestinianos lançam mísseis contra a cidade israelita de Sderot, atacam o posto fronteiriço de Karni e depois atacam Kerem Shalom EM ISRAEL, matam dois soldados israelitas e capturam outro.

Perante tamanha cegueira, tamanho ódio e tamanha inflexibilidade, é difícil para os moderados israelitas influenciarem as políticas do governo Olmert. Que é fraco. E que por causa disso tem a tendência de passar cheques em branco ao exército. Um exército que se sente humilhado por não conseguir pôr fim aos malditos mísseis e proteger os cidadãos de Sderot (e agora Ashkelon, um grande centro urbano israelita e novo alvo dos mísseis palestinianos). E o exército israelita não está habituado a não conseguir resolver problemas militares: por isso aumenta a intensidade da aplicação dos meios que tem à sua disposição. E é essa a explicação para o elevado número de civis que têm morrido do lado palestiniano. A culpa dessas mortes é do exército israelita e dos políticos israelitas que não assumem claramente que não há solução militar para os mísseis Qassam, e que só uma política ambiciosa e visionária de fortalecimento do Presidente Abbas através de melhorias visíveis da situação da população palestiniana, pode, a longo prazo, garantir o fim da matança. Mas a responsabilidade da agudização a que assistimos é dos movimentos palestinianos e da liderança do Hamas, que preferem continuar a levar a cabo ataques quixotescos contra cidades israelitas, a aproveitar a oportunidade histórica que lhes foi dada de bandeja aquando da retirada israelita de Gaza. Mas para isso era preciso aceitar o status quo militar, para depois se começar a falar do status quo político. O problema, como eu já disse aqui, é que o que se passa agora não passa de uma situação conjuntural, como também o foi a ocupação de '67, a primeira Intifada, a segunda Intifada, ou a retirada de Gaza: a situação estrutural, no entanto, permanece a mesma - os principais actores políticos do lado palestiniano, ou não aceitam o direito de Israel existir, ou, aceitando-o, nunca estiveram dispostos a fazer os sacrifícios políticos que transformariam essa aceitação numa solução duradoura para o conflito.

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