domingo, dezembro 25, 2005

Impressoes de Israel



Ha alguns dias, assisti a um concerto numa igreja anglicana em Haifa, uma cidade conhecida em Israel pela sua importante populacao arabe. Grande parte desta populacao e' crista. Deambulando pelas ruas da cidade, o turista depara-se com um exemplo nao raro de coexistencia pacifica entre judeus, cristaos e muculmanos em Israel. Neste bairro em particular, profusamente iluminado por decoracoes natalicias, o incauto turista deve ser perdoado pela estupefaccao dificil de conter perante o 'Jingle Bells' em arabe que emana de uma qualquer loja...

Mas voltando a' igreja. Trata-se, como dizia, de uma igreja anglicana. Simples. So os vitrais dao alguma cor ao edificio. Mas o que mais surpreende quem nao e' destas paragens sao os escritos em arabe que decoram a biblia num desses vitrais...

O concerto consistia de varias obras de musica renascentista inglesa e francesa, tocada por quatro musicos, em instrumentos da altura.

E eu dei por mim a rir sozinho a pensar na beleza do momento: uma biblia escrita em arabe a decorar um vitral de uma igreja crista anglicana, numa cidade onde judeus, muculmanos e cristaos (e Bahais!) vivem lado a lado. E tudo isto a servir de enquadramento para ouvir musica europeia com mais de 400 anos. Mas acima de tudo senti o prazer acolhedor de tudo isto ser possivel no Estado Judeu.

Lembro-me de um atentado suicida na Universidade de Haifa, onde a diversidade religiosa da cidade permitiu ao terroista uma colheita igualmente diversa de estudantes de varios grupos etnicos e religiosos.

Aprendi ha pouco tempo que em 1970 (a 22 de Maio, para ser preciso), terroristas palestinianos atacaram um autocarro escolar na Galileia, numa aldeia comunal chamada Moshav Avivim (em portugues, 'Comunidade das Primaveras'). O condutor, 9 criancas e dois outros adultos foram mortos. Houve 19 feridos, entre os quais muitas criancas.

O Ministro da Defesa Moshe Dayan tinha introduzido em 1968 uma politica liberal em relacao aos Territorios Ocupados: livre circulacao de bens e pessoas com a Jordania e outros paises arabes; alguma autonomia do poder local; autorizacoes para trabalhar em Israel (que evidentemente nao existiam antes da Ocupacao).

Ocupacao e' ocupacao, dir-me-ao. Esmolas nao legitimam a ocupacao. Talvez. Mas nao me digam que e' a humilhacao do 'muro da Vergonha' e dos checkpoints que "provoca os atentados dos palestinianos desesperados". Em 1970, os israelitas que me acolhem iam aos Sabados ao mercado de Tul Karm fazer compras e empregavam toda uma familia de palestinianos para trabalhar durante as colheitas. As criancas de ambos os lados da fronteira aberta brincavam juntas.

A negacao estrutural do direito dos judeus a existir e a viver no seu Estado (reconhecido internacionalmente) por parte de sectores consideraveis da populacao palestiniana, e arabe em geral, constitui um elemento tao - eu diria ate mais - importante para compreender este conflito, como factores conjunturais: a Ocupacao de 1967 e as medidas repressivas israelitas.

3 comentários:

MFerrer disse...

Não tenho qualquer itenção de me substituir aos seus críticos que habitam a Palestina ocupada.
Eles e a História encarregar-se-ão de demonstrar que vc ou não entendeu essa mesma História ou está ser vítima de uma crença alucinogénica.
Quando, onde, em que circunstâncias é que os povos em democracia, com direitos e deveres constitucionalmente assegurados se rebelam, se amotinam, colocam bombas e se suicidam?
Pare para pensar nisto e já agora na deriva militarista que atirou para fora da Palestina 3 ou 4 milhões de refugiados sem esperança!
Não é a faixa de Gaza o território com maior densidade populacional do mundo e simultaneamente aquele que oferece menos emprego, menos oportunidades?
É melhor pensar primeiro antes de escrever atrocidades à memória desses povos que tiveram o azar de se encontrar frente-a-frente utilizados por interesses geo-estratégicos que de facto não são os seus!

Oppenheimer disse...

MF, a "deriva militarista" a que se refere ficou registada nos anais da historia como "A Guerra de Independencia de Israel", ou a "Guerra de 1948". Israel, infelizmente para si, e' um estado membro das NU, como o Burkina Faso, ou o Vanuatu. Va-se habituando. Lembre-se tambem que em 1970 a Jordania expulsou a OLP do pais, num conflito sangrento (Setembro Negro), e que os palestinianos tiveram um papel importante na guerra civil libanesa nos anos 80. E que portanto a questao dos refugiados palestinianos e' uma questao que diz tambem respeito aos vizinhos de Israel que nunca fizeram nada para integra-los.

Quanto a Gaza, pessoalmente considero um erro a ocupacao em 1967. No entanto, lembro-lhe so que o contexto da ocupacao foi a guerra dos 6 dias e a falta de profundidade estrategica de Israel no contexto de uma situacao em que todos os vizinhos do Estado Judaico prometiam destrui-lo o mais cedo possivel. Lembre-se tambem que quando Israel assinou os acordos de Camp David com o Egipto em 1979, o governo de Begin ofereceu-se para devolver Gaza ao Egipto de Sadat, que recusou... Esta tambem enganado se considera Gaza o sitio "que oferece menos emprego, menos oportunidades" no "mundo". Nao sei se ja ouviu falar de sitios como Mocambique, Afeganistao, ou Angola... Cuidado com os superlativos: nao e' clara a relacao causal entre estagnacao e recessao economica por um lado, e bombistas suicidas por outro.
O MF nao conhece a realidade desta regiao, senao sabia que desde o principio da primeira Intifada a situacao economica dos Territorios Ocupados piorou dramaticamente. Mas o MF sabe isto muito bem. O que, sem me surpreender especialmente, me preocupa mesmo assim, e' a clara incapacidade de aceitar a existencia per se do Estado de Israel como um dado adquirido. Como dizia Saeb Erekat, principal negociador palestiniano, "nao se trata de eliminar um Estado do mapa, mas sim de criar outro, um Estado Palestiniano" e esse principio e' aceite pela maioria dos israelitas. Mas o mf esta demasiado ocupado a ser mais palestiniano do que os palestinianos para se importar com estas e outras minudencias.

SAM disse...

Sem querer comentar a questão palestianiana-israeltia abordada nos comentários, ainda que deseje a paz estabelecida não só nessa região, mas em todo o mundo, gostaria de dizer que ao descobrir esse blog fiquei agradado com a descrição que fez de Haifa.

Quando lá estive há pouco mais que dois anos, de peregrinação, senti-me extasiado pelo então ambiente de tranquilidade e paz.
Árabes cristãos e bíblia em árabe... incrivelmente belo aos meus olhos e incrivelmente irreal para a maior parte dos "ocidentais".

Infelizmente vivemos em sociedades dominadas por rótulos e não por realidades. Haifa pode ser o marco da possibilidade de coabitação entre os povos de distintas culturas e religiões.