A propósito de crucifixos e outras liberdades religiosas, veja-se a situação actual nos Estados Unidos e a apregoada "Guerra ao Natal".
Tudo começou quando alguém observou que o presidente escolhera para os cartões de Natal da Casa Branca a inócua fórmula Happy Holidays (boas festas) em vez de um supostamente mais entusiástico e comprometido Merry Christmas.
A direita religiosa que telecomanda o poder em Washigton, e que, tendo contribuído decisivamente para mobilizar o eleitorado que pôs Bush onde agora está, não se coíbe de marcar a agenda política do presidente (como já se disse aqui) viu nisto um ataque ao carácter religioso e cristão do Natal, que, segundo eles, não é mais que uma manifestação da cruzada (o termo é capaz de ser despropositado) contra o Natal que se vive na sociedade americana, promovida pelos liberais. O tema até já mereceu tratamento num livro da autoria de um jornalista do insuspeito canal de notícias Fox.
Ora, o Natal, festa da natividade de Jesus, não é só quando o Homem quer, também é como ele quer. O certo é que há na cultura ocidental um acolhimento tácito do Natal enquanto festa da família, que não se desliga do nascimento de Cristo, mas não está preso à celebração que a Igreja dele faz. Dirão os zeladores dos crucifixos que ele agora se descaiu com esta, que, se se aceita o Natal, é porque se aceita a Verdade de Cristo Salvador e Redentor da Humanidade, ou pelo menos que, se a ninguém incomoda o Natal, também não deverão incomodar os crucifixos nas salas de aula, mas não é assim.
A diferença entre um crucifixo na parede e os enfeites nas ruas está em que, por mais irritantes que estes sejam em alguns casos (como os Pais Natal a subirem pelos prédios acima), não são impostos. São uma manifestação individual e espontânea de adesão a uma festa, e não interessa sequer apurar se as motivações são de vaidade ou de mercantilismo.
Aderir ao Natal é sempre livre, e se as cidades e as pessoas aderem maciçamente, então é porque a sociedade retira algo da religião e das suas festividades e faz isso seu. O Natal é uma emanação do cristianismo, mas é mais do que o cristianismo pode querer que seja. O Natal é uma festa religiosa, mas não é só uma festa da religião.
Quanto a saber se isto há-de ser Natal ou Festas, ou se a árvore que fica temporariamente à frente do Capitólio se chama Árvore de Natal ou Árvore das Festas, o interesse da questão escapa-me. Não vejo qual é o problema de o presidente mandar as Boas Festas. Mas também não vejo qual seria o de desejar Feliz Natal.
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