Conforme o João Gato relatou em post anterior, o Ministério da Educação emitiu instruções no sentido de serem retirados crucifixos de salas de aula onde seja detectada a sua presença, após queixa de encarregados de educação e na sequência de denúncia da Associação República e Laicidade.
Imediatamente se insurgiram vozes na hierarquia da Igreja, chegando mesmo o Correio da Manhã de domingo a noticiar a abertura de uma "Guerra do Crucifixo". Se assim é, dê-se início à batalha. De um lado a modernidade, a laicidade do Estado, a não-confessionalidade da escola pública e a Constituição da República. Do outro a intolerância daqueles que se pensam donos do espaço público, podendo aí impor os seus valores e crenças a terceiros.
Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, afirma que "lamenta e não compreende as razões que possam motivar uma determinação tão grande em afastar todos os símbolos religiosos". No seu entender, a decisão viola a "matriz cristã do povo português". Depreende-se que o português judeu, budista ou ateu não se insere na matriz, podendo por isso ser desconsideradas as suas convicções religiosas.
Tive já ocasião de me pronunciar a este respeito num trabalho publicado nos Estudos em Memória do Professor António Marques dos Santos. Há, de facto, um aceso debate em curso na Europa em torno da utilização de símbolos religiosos no quadro da escola pública, tratando-se de uma questão complexa em que se cruzam a liberdade religiosa individual dos intervenientes na escola (docentes, alunos e funcionários) e as obrigações de neutralidade do Estado. Contudo, se há ponto consensual na jurisprudência constitucional europeia é a inadmissibilidade de símbolos religiosos patrocinados pelo Estado. Ao sujeitar os alunos de outras confissões, ateus ou agnósticos a ter aulas sob a cruz, está-se automática e necessariamente a violar a sua liberdade religiosa negativa e a incumprir as obrigações estatais em sede de separação das Confissões Religiosas.
Aparentemente, as batalhas que pareciam estar ganhas ainda continuam a ser travadas. Os inimigos da tolerância e da igualdade republicana continuam à espreita e cumpre manter a vigilância e a guarda dos valores que nos caracterizam como sociedades modernas, livres e democráticas. Seja no Parlamento Europeu, como relatava o David em post anterior, ou na nonagenária e jovem República Portuguesa, estamos atentos. No passarán!
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