quinta-feira, janeiro 17, 2008

As raízes da França

O Presidente da República francesa diz que descobriu que as raízes da França são "essencialmente cristãs". Vamos por partes.
A França não existia como nação até 1789. Era um reino. Um reino é bonito. Mas não é uma nação. Até 1789 existiam dinastias que se sucediam e que iam dilatando o seu poder a novas áreas geográficas de forma relativamente aleatória, ao sabor dos caprichos de Marte e de Vénus. A França em 1789 não tinha língua comum, representação política comum, vontade comum: era um acidente da história, um resultado de ambições dinásticas.
A nação francesa foi fundada da única maneira que se fundam as nações: pela expressão consciente de uma vontade comum, articulada através de instituições e/ou actos constitucionais.

Não é segredo para ninguém que a Revolução de '89 também foi uma revolução contra os privilégios eclesiásticos e o obscurantismo católico que tolhia a França. Antes de 1789 de facto o Reino da França era maioritariamente cristão. Mas eu cá acho que as raízes da França são os Francos, um povo germânico desagradável que foi pagão durante séculos. Não, esperem, eu acho que as raízes da França são os romanos, que foram pagãos durante séculos. Não, afinal as raízes da França são os Celtas, que no ranking do paganismo estão lá bem em cima. Portanto dizer que as raízes da França são cristãs é tão válido como dizer que são pagãs. Resumindo, esta macacada das "raízes" da França depende da imaginação de cada um. E a imaginação de cada um não chega para explicar as origens de comunidades políticas nacionais. Essas só podem ser fundadas pela vontade comum. E a vontade comum francesa teve que se afirmar contra o cristianismo francês que dominava no século XVIII. (Nem quero sequer entrar aqui no debate da contribuição das outras confissões religiosas para o que é a França hoje...)
O tom lamechas, pseudo-esotérico de Sarkozy representa mais uma faceta de um Presidente que quer ser tudo para toda a gente e que acaba por não ser nada: filósofo reaccionário da laicidade às 2as, 4as e 6as; garanhão mediático às 3as, 5as e Sábados; homem de Estado aos Domingos e feriados.
É muito pouco homem de Estado e demasiada mediocridade e diletantismo.

1 comentário:

Nuno Castelo-Branco disse...

Esqueceu-se de um pequeno detalhe. Quando fala de ambição dinástica, o contraponto é mais verdadeiro, a fidelidade dinástica (veja o caso austríaco de 1914-18). Já agora, explique como é que a UE fundamentará a sua legitimidade. Pela república de 1789? Pela nação? Qual nação?