sexta-feira, dezembro 28, 2007

Benazir Bhutto (1953-2007)

Por muito que nos procuremos convencer do contrário, identificando grandes tendências ou evoluções imparáveis e objectivamente palpáveis, a História tem momentos de viragem inesperados, muitas das vezes directamente associados ao percurso individual de seres humanos concretos. O desaparecimento de Benazir Bhutto é daqueles momentos de convulsão repentina, de irreversibilidade das rodas dos acontecimentos que revelam a potencial fragilidade das instituições (exarcebada, neste caso, pela efectiva instabilidade do sistema político). Benazir Bhutto será sempre uma figura controversa, multifacetada, geradora de amores e ódios entre os seus concidadãos e objecto de juízos distintos da história: se por um lado a sua governação foi marcada por instabilidade, acusações de corrupção e ineficácia, deixa também um legado considerável, desde logo como primeira mulher a assumir a chefia do Governo num país muçulmano.

É quase inevitável observar os traços que a aproximam da outra mulher que marcou a vida do subcontinente indiano, Indira Gandhi: a tradição e sucessão política familiar, o triunfo político numa sociedade tradicional e patriarcal, a personalidade marcante e larger than life e a morte trágica, na sequência do desafio aos adversários. Não é, porém, minha intenção deixar um panegírico de Benazir Bhutto, ou de minorar a análise dos seus defeitos. Como disse, os juízos negativos não deixarão de ter o seu lugar quando se escrever a sua história. Mas no rescaldo imediato do seu assassinato, é importante não esquecer, é mesmo imperativo realçar, que foram as suas qualidades que determinaram o seu fim trágico.
A Benazir Bhutto que ontem foi alvo da violência sangrenta do seu assassino extremista foi a mulher determinada em regressar ao país numa altura crítica para o futuro, com a intenção de disputar uma eleição e aceder ao poder pela via democrática, que não desistiu perante concretas ameaças à sua vida e que atacou com coragem os extremismos fundamentalistas que querem destabilizar o Paquistão (as madrassas radicais, por exemplo). Foi em campanha, após um comício, em contacto directo com os eleitores, momentos por excelência do processo democrático, que perdeu a vida. E foi precisamente por simbolizar, em grande parte, uma possibilidade de regresso à democracia que foi abatida por extremistas. É por isso não só um mau dia para o Paquistão e para a região, mas para todos os que se revêm na determinação democrática demonstrada por Benazir Bhutto.

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