quarta-feira, dezembro 05, 2007

A marca de Menezes

A aprovação da solução compromissória para o empréstimo para o município de Lisboa encerra a novela desencadeada pela liderança nacional do PSD, que, procurando cobrir-se de glória derrotando adversários políticos e tornando a gestão municipal na capital virtualmente impossível, acaba por sair cabisbaixa e desmascarada na sua estratégia pouco séria. A intervenção do PSD nesta recambolesca novela demonstra várias características negativas da nova liderança, desde a incoerência, ao oportunismo, passando pela falta de conhecimento da realidade e pela deficiente preparação das soluções técnicas alternativas, que nem junto dos eleitos locais do próprio partido conseguiram reunir acolhimento entusiástico. Pelo meio, acrescenta-se a total ausência de pudor do próprio Luís Filipe Menezes, o autarca que bateu todos os limites de endividamento no seu concelho, e que se achou legitimado a enviar lições de gestão autárquica que não pratica em Vila Nova de Gaia.
Em primeiro lugar, destaca-se uma liderança nacional cujas figuras de proa são dois autarcas ciosos da sua autonomia e possuidores de uma espécie característica de bairrismo populista, a avocar um processo político local e a impor orientações centralistas à estrutura concelhia, através da estrutura distrital. Orientações essas que, segundo António Preto afirmou ontem, à saída da reunião da distrital, a maioria dos deputados municipais do PSD não teria intenção de seguir, mas a que ficariam vinculados pela disciplina de voto, sob ameaça de consequências internas.

De seguida, merece referência a total incapacidade de compreensão da realidade local e de produção de respostas credíveis. O projecto anunciado inicialmente como proposta alternativa não deixou de transparecer o que era, uma remendo construído em cima do joelho, muito abaixo dos montantes em dívida e apostando na alienação de património como alternativa de saneamento. Em suma, mantendo, em parte, a situação insustentável de dívida a fornecedores a curto prazo e propondo-se reduzir os activos municipais, vendendo ao desbarato em tempo de crise. Curiosamente, não é a estutura concelhia, nem é um dos eleitos locais do PSD no município de Lisboa que vem a público defender a alternativa: ela surge pela mão do presidente da distrital, por sinal vice-presidente da Câmara de Cascais, um dos principais para-quedistas deste episódio.

Não é temerário afirmar que, provavelmente, a viabilidade técnica das soluções nem sequer terá sido adequadamente ponderada. Mais do que uma solução alternativa, neste tipo de jogada o que importa é poder dizer que se tem uma solução alternativa, por mais descabelada e impensável que possa ser à luz da realidade. Consequentemente, nesta lógica palaciana da intervenção menezista esteve sempre patente uma desconsideração pela população e pela cidade de Lisboa, cujos veradeiros problemas se ignoraram, arriscando mergulhar novamente em crise um município que luta para se sanear financeiramente. Acima de tudo estava em causa infligir uma derrota ao PS em Lisboa, ganhar qualquer coisa para colocar uma medalhinha no peito do novo general.

Contudo, tão mal calculado foi o tiro que, dispondo de uma maioria absoluta na Assembleia Municipal que poderia aritmeticamente chumbar o que quisesse, teve de haver uma retirada estratégica para não enfrentar o que seria uma humilhante desautorização da liderança nacional e da estratégia de provocar o confronto pelo confronto. Ninguém pediu a Luís Filipe Menezes para vir arranjar sarilhos a Lisboa - o líder do PSD fê-lo de sua livre e espontânea vontade, pensando em capitalizar com o mau bocado que infligiria a António Costa, ignorando as necessidades da cidade, passando por cima das suas próprias estruturas locais e dos seus eleitos, preparado para instrumentalizar e sacrificar o futuro da capital à sua estratégia de promoção política. No final, aquilo que a novela criada em torno do empréstimo revela é uma total falta de bom senso e de capacidade de ler a situação política e as consequências para o futuro do PSD na cidade de Lisboa. A fotografia final mostra um presidente da edilidade vencedor, apoiado nesta medida por todos os vereadores com excepção dos do PSD, oferecendo soluções para tirar a capital da crise contra os que, por desconhecimento ou má-fé, o tentam impedir.

Seguramente receosa de abstenções ou fugas de voto dos seus eleitos para o lado contrário, a liderança do PSD acaba por produzir um compromisso que aceita as premissas iniciais da solução aprovada na Câmara, embora com montantes mais reduzidos. A solução final acaba por reconhecer o incontornável: todo o montante actualmente em dívida (os 360 milhões) teria mesmo de ser coberto pelo empréstimo, ficando o remanescente para eventuais conclusões desfavoráveis de litígios judiciais reduzido a 40 milhões (o que mais uma vez implica reconhecimento de que essa eventualidade tem de ser objecto de cobertura). A cereja no topo do bolo da incoerência é oferecida, uma vez mais, pelo próprio PSD que, num exercício de quase auto-flagelação, se abstém na proposta de compromisso que ele próprio propusera. Reduzido a 15% dos votos expressos nas intercalares, o futuro autárquico do PSD em Lisboa é sombrio, o que é mau não só para o PSD, como para a cidade de Lisboa.

Lisboa precisa de estabilidade governativa e de uma equipa capaz, mas também precisa de oposição séria, que fiscalize a actividade do executivo e contribua para a gestão da cidade com propostas credíveis e uma estratégia para a cidade. O país precisa do mesmo. O que o PSD de Menezes conseguiu cabalmente demonstrar, em ritmo acelerado e em menos de uma semana, é que a nova liderança não está disponível para o efeito.

1 comentário:

Quintanilha disse...

Uma das melhores coisas que li sobre a recente crise de Lisboa.