sexta-feira, junho 22, 2007

O Hamas também tem cabecinha para pensar (2ª Parte)

Comecei a primeira parte deste post a exprimir o meu desagrado com a maneira como Israel e os EUA andam a fazer de conta que agora é que é, agora é que vamos andar para a frente, agora que Gaza se transformou no Hamastan, vamos transformar a Fatahlândia da Cisjordânia na nova Suiça do Médio Oriente e os palestinianos em Gaza vão ver isto, vão abandonar o Hamas e tornar-se uns defensores da solução de dois Estados.

Daniel Levy, colaborador de Yossi Beilin no contexto da Iniciativa de Genebra, identifica perfeitamente os defeitos desta política (isolar Hamas/Gaza; dinamizar Fatah/Cisjordânia) no seu blog (apesar de eu não conseguir concordar com todos os ataques que ele faz à reacção europeia e americana à tomada do poder pelo Hamas...).
1. Entre Janeiro de 2005 (Mahmoud Abbas aka AbuMazen ganha as eleições para a presidência da AP) e Janeiro de 2006 (o Hamas ganha as eleições legislativas), Israel teve um ano para apoiar Abu Mazen e mostrar aos palestinianos que é a Fatah quem melhor representa os seus interesses. Resultados desse período decisivo, poucos (a retirada de Gaza em Setembro de 2005 foi importante, e mais uma oportunidade perdida para o Hamas reconhecer a importância de se ser pragmático para poder colher os frutos da retirada israelita; mas como a iniciativa foi tomada de forma unilateral, Abu Mazen não pôde retirar capital político nenhum dela.) Checkpoints abolidos e prisioneiros libertados, poucos; medidas que fortalecessem Abu Mazen, poucas; não me entendam mal, eu acho uma óptima ideia recomeçar já as transferências de dinheiro para a AP, concordo sem reservas com o anunciado levantamento de checkpoints e com a cooperação reforçada com a AP na Cisjordânia, mas porque raio não fizeram isto tudo ANTES de o Hamas ganhar as eleiçoes em 2006??!!
2. Atenção que um excesso de entusiasmo em apoiar Abbas, ao mesmo tempo que se isola politicamente Gaza, é um jogo perigoso: não há melhor fórmula para garantir a deslegitimação de um líder palestiniano do que reforçar a percepção de que este só representa parte dos palestinianos e que segue ordens vindas de Washington e Jerusalém;
3. A estratégia anunciada por Israel e os EUA depois da tomada de Gaza pelo Hamas tem um defeito importante. É que o Hamas está cá para ficar. Mais ou menos metade dos palestinianos nos Territórios Ocupados revê-se no seu programa. Na primeira metade deste post eu expus as razões que, na minha opinião, justificam a política de isolamento didáctico em relação ao Hamas, decidida depois das eleições de 2006. O Hamas até agora foi incapaz de aprender as lições do poder e a responsabilidade que dele decorrem. Mas qualquer política do lado de Israel e de actores exteriores tem que incluir uma estratégia, um plano, something, que reflicta a consciência que não dá para voltar atrás no tempo e que o Hamas é tão parte do povo palestiniano, como o Hezbollah do povo libanês: não dá para derrotar militarmente, nem para fechar os olhos e rezar para que desapareça e seja substituído por um grupo de escuteiros ecologista, ou por um sindicato.
Resumindo, é preciso continuar a dar sinais ao Hamas indicando que a porta está aberta, que se reconhece a legitimidade do movimento como representante de uma parte considerável do povo palestiniano, e que está nas suas mãos a normalização das relaçõs com a Europa, os EUA... e Israel.
O Hamas e a capacidade da comunidade internacional em 'virá-lo' ou 'reciclá-lo' são a chave para a resolução deste conflito. E é esta ideia que falta à presente política israelita/americana. Havia demasiada Schadenfreude nas vozes de Olmert e Bush quando falavam sobre o colapso do governo de unidade nacional. Sim, a Fatah é um parceiro para a paz; sim, é preciso tornar a vida mais suportável para os habitantes da Cisjordânia, sim, Israel tem que fazer tudo para que Abu Mazen seja visto como um lider que consegue deliver. Mas tudo isso só resolve metade do problema.
Só faz sentido isolar o Hamas na medida em que isso servir de incentivo para a conversão deste para um partido político 'normal'. Isolar por isolar é meter a cabeça na areia.

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