sexta-feira, abril 06, 2007

Fábula da Rotunda


Reduzida a história aos seus caracteres básicos, temos o seguinte:

Digamos que existe um grupelho de delinquentes com ambições de parecer sério que decide jogar o jogo da credibilidade e afixar um cartaz político como qualquer partido político. O cartaz é um esforço inglório nesse sentido, atascado que está numa linguagem pífia e pacóvia, risível até, não fosse a promessa de rixa a rebentar latente na mensagem. O líder - ou seja, o eleito para parecer o mais sério - mal consegue disfarçar o ódio por trás dos olhos esbugalhados, como que raiados de sangue, e eu, na minha cabeça, consigo imaginar aquela personagem a dizer numa voz estridente, como o ratinho na anedota do ratinho e do elefante «Eu sou mau! Tenham medo de mim!», e quase conseguia rir, não fossem as trágicas memórias que tudo aquilo evoca.

Digamos que a isto respondem uns rapazecos com dinheiro para gastar, que de sérios não querem ter nada - o que me parece uma admirável forma de seriedade e lucidez - e que resolvem o assunto, colocando os outros no seu devido lugar.

Entra em cena a autoridade, conhecida por se distrair no momento de conceder licenças, com ânsia de zelosamente efectivar um regulamento de publicidade, dando sequência a um conjunto de acções em que o seu representante convoca a comunicação social para registar o momento em que, simbolicamente, começa a arrancar publicidade comercial das paredes de Lisboa, prometendo que nada será como antes (em boa hora). Por isso, manda arrancar o cartaz dos bons rapazes.

O cartaz dos maus está em vias de tornar-se um ex-libris de arte pública da cidade, não pela versão original, mas pelo o acto de desobediência civil que constitui a sua vandalização. O cartaz dos bons é sacrificado pela autoridade no labirinto da legalidade formal em que os maus se souberam mexer, mas o exemplo persiste.

Há vilão, herói e polícia tonto, tudo por esta ordem. Parece que temos enredo para opera buffa.

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