Foi há pouco anunciado que Salazar ganhou o concurso dos grandes portugueses.
Até agora não me pronunciei sobre o concurso porque, francamente, sempre o considerei um exercício redutor e de notável estupidez. A História não é maniqueísta, nem a preto e branco. Que a RTP, no ano do seu 50.º aniversário não o tenha percebido, tendo por isso prestado um deplorável serviço público, é de lamentar. Ainda assim, a vitória de Salazar com 41% dos telefonemas recebidos não deixa de ser merecedora de comentários.
Nos comentários que se seguiram ao anúncio dos resultados muito foi invocado para procurar explicar o resultado: voto de protesto, bipolarização negativa em torno de Salazar e de Cunhal, votações organizadas. Haverá um fundo de verdade em vários deles. Contudo, também há extra-direita acéfala, e organizada, vontade de protesto e fenómenos afins na Alemanha ou em França, mas em nenhum dos referidos países saíram vencedores (ou sequer finalistas) Hitler ou Pétain. No quadro global de todos os países que organizaram concursos semelhantes, o nosso cantinho à beira-mar plantado foi o único que escolheu colocar um ditador no primeiro lugar. Sublinho-o novamente: estou longe de reconhecer qualquer tipo de representatividade alargada ou legitimidade ao resultado - desde logo, porque 200 mil chamadas telefónicas não correspondem a 200 mil pessoas (só eu tenho telemóvel, telefone em casa e telefone no escritório...). Mas é um sinal de alarme para quem quer preservar a memória, para quem quer recordar o sacrifício daqueles que deram a vida para que hoje possamos ser livres.
Dos vários comentários, quem com maior rigor apontou a ferida foi Leonor Pinhão - investimento sério na educação é o que falta. A instrução para a História, para a compreensão do passado, dos seus erros, dos seus protagonistas. Para o esclarecimento do que foi o Estado Novo. Para que não tenhamos de voltar a olhar para a televisão pública no dia em que comemoramos a unidade europeia sob uma bandeira de paz, liberdade, democracia, respeito pelos direitos humanos e pluralismo para ver escolhido com o maior português aquele que foi responsável por negar esses mesmos valores. Daí que as afirmações de Paulo Portas no final do programa me pareçam totalmente tontas: não há momentos positivos na história portuguesa do século XX? Então democracia a sério, paz e prosperidade desde a revolução não contam para nada? O período de maior desenvolvimento humano, em que mais nos aproximamos da Europa são para esquecer? A cegueira anti-Abril também não pode ser exarcebada a este ponto. Sabe porquê Dr. Paulo Portas? Porque depois se torna mais fácil eleger salazaretes para melhores portugueses de sempre.
Ainda assim, e apesar da utilidade de servir como alarme, o resultado em causa não deixa de ter de ser enquadrado num concurso televisivo, com reminiscências bigbortherianas de votações para expulsar de casa. Um concurso não faz desaparecer o Tarrafal, nem os números do analfabetismo e do subdesenvolvimento, nem o colonialismo, nem a censura, nem a polícia política. Um concurso também não coloca Salazar no quadro de valores de outros vencedores de concursos vizinhos, como De Gaulle, Churchill, Adenauer ou Reagan.
Mas volto a dizê-lo: fica o sinal. Recordo a este respeito o desafio de Otelo Saraiva de Carvalho de há algumas semanas - temos de preservar a memória da ditadura, dos que a combateram e dos que a derrubaram.
Cá estou para a luta. Vamos a isso?
1 comentário:
"Contudo, também há extra-direita acéfala, e organizada, vontade de protesto e fenómenos afins na Alemanha ou em França, mas em nenhum dos referidos países saíram vencedores (ou sequer finalistas) Hitler ou Pétain" Não posso deixar de dar umas boas gargalhadas ao ver isto!
Que raio de comparaçoes... Que falta de noçao historica!
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