terça-feira, fevereiro 13, 2007

Não nos metem medo

No blog Blasfémias querem-nos assustar. Num post intitulado 'Roe Effect' dizem, citando a Wikipédia que "since supporters of abortion rights cause the erosion of their own political base, the practice of abortion will eventually lead to the restriction or illegalization of abortion."

Queriam, não queriam?

1. Esse fenómeno é possível e provável nos EUA, porque lá o momento chave foi uma decisão do Supremo Tribunal(1973), e não legislação produzida pelo Congresso e/ou pelas legislaturas dos Estados. O resultado é, por um lado, a falta de harmonização legislativa em relação ao aborto nos EUA (com diferentes Estados a interpretar de forma mais ou menos restritiva o 'direito à privacidade' no qual assenta a decisão do Supremo), e por outro a falta de legitimidade democrática da decisão. Daí a permanente acusação de activismo legislativo lançada contra o Supremo pelos elementos mais conservadores nos EUA.

Resultado: o debate é muito mais difícil para os apoiantes da decisão do Tribunal (esse "antro da elite isolado dos salutares valores que guiam o piedoso povo americano"), do que para os que a põem em causa.

Daí resulta o 'Roe effect': não da defesa do direito ao aborto em si, mas antes da fragilidade democrática da decisão que lhe subjaz.

2. Os EUA são infinitamente mais heterogéneos que Portugal. Isso significa que um argumento a favor da decisão do Supremo que caia bem no Estado da Califórnia pode fragilizar as forças progressistas na Geórgia. Isso é grave, porque os Estados têm poderes legislativos e podem limitar seriamente a aplicação da decisão do Tribunal. É portanto difícil para um 'pro-choice' californiano não desencadear o 'Roe effect' no Alabama, sempre que dá uma entrevista na televisão, sempre que publica um artigo num jornal nacional, etc.

O debate nos EUA está, pois, inquinado à partida, já que as forças do Progresso passam o tempo a defender uma decisão de um Tribunal não-eleito contras hordas conservadoras fortificadas pelo zelo 'democratico' e pelo ódio aos 'Washington liberals'.

Em Portugal, a decisão terá dupla legitimidade democrática: primeiro o referendo, e depois legislação da Assembleia - o assunto vai ficar enterrado por muuuuito tempo. Porquê? Porque as forças pro-choice não têm que defender nada, não têm que debater nada. Lei é lei. Se não gostarem, votem PP e a lei muda. Ah, espera, ninguém vota PP.

Esqueçam, meus amigos, não há 'Roe effect' que vos salve. Este capítulo está encerrado. Metam a viola no saco e preparem-se para a próxima: casamento entre pessoas do mesmo sexo. E depois adopção... Now it's our turn.

2 comentários:

Anónimo disse...

Now it's our turn.....

Parece ser um comentário usado durante as ocupações/roubos no pós-25 de abril....

Força Kamaradas, é por coisas destas que, de facto, não somos um pais moderno e desenvolvido !!!

Anónimo disse...

Ó Ppenheimer,

1. O Roe Effect é ridículo aqui, nos EUA, ou noutro lado qualquer. Mais importante que as diferenças nos processos institucionais é a fragilidade do argumentário do próprio Roe effect. Seguindo a definição da wikipedia, o elo mais fraco é "Children usually follow their parents' political leanings." Duma geração para a seguinte há muito mais elementos que influenciam as escolhas que os progenitores... Creio que a tendência de fundo em Portugal é que haja uma redução da intervenção do Estado na esfera do privado e que o Estado não cumpra o papel de defensor da moral e bons costumes na sua versão "Deus Pátria e Família"... mas devagar.

2. Por outro lado, a outra tendência de fundo (originada pelos progressos da ciência, em particular as ecografias do feto) de tratar o feto como pessoa cada vez mais cedo na gestação vai ser um argumento que vai pesar cada vez mais a favor dos pró-prisão...

3. Mais curioso que o Roe effect, e (questionavelmente) suportado por um micro-economista excêntrico de inatacáveis credenciais - o popularizado Steven Levitt - é o
"Legalized abortion and crime effect"
, que prevê que lá para 11 de Fevereiro de 2022 o crime começa a baixar, pois os embriões do criminosos em potência ficaram por estabelecimentos de saúde legalmente autorizados... Felizmente nenhum SIM português usou este argumento!

4. O teu aviso "preparem-se para a próxima" é muito optimista. Se o NÃO tivesse ganho, o casamento de pessoas do mesmo sexo ficava atirado para as calendas... Tendo ganho expressivamente o SIM, há espaço (político) para avançar, na base do modelo Zapatero 2005 ("No estamos legislando, Señorías, para gentes remotas y extrañas. Estamos ampliando las oportunidades de felicidad para nuestros vecinos, para nuestros compañeros de trabajo, para nuestros amigos y para nuestros familiares, y a la vez estamos construyendo un país más decente, porque una sociedad decente es aquella que no humilla a sus miembros".
Ler texto completo.
) Resta saber se o PS (tão diferente do PSOE...) terá convicção, vontade e coragem... Até à data, os sinais são negativos, mas o apoio e consciência públicos crescentes, bem como a vontade de muitos de lutar por "a libertad y la igualdad".