São neste momento 13:52. Surge o aborto no Boina Frígia.
Como muito bem disse há dias José Miguel Júdice (figura que, em outras circunstâncias, hesitaria em parafrasear), das duas uma: ou o aborto é um atentado contra a vida humana e é um acto horrível que merece ser penalizado, e não há que fazer distinção entre ser às dez ou às vinte e quatro semanas, por vontade da mulher ou por motivo de saúde; ou não é, e nesse caso deve ser despenalizado.
Votarei Sim no referendo sobre a despenalização da IVG pelas seguintes razões:
1. É uma constatação consensual, embora menos consensual do que deveria ser, que uma mulher não deve, em nenhuma circunstância, ser condenada pela realização de um aborto. A dúvida é sobre se isso implica que o possa realizar livremente em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
2. A liberdade do indivíduo impica o direito deste a dispor da sua integridade física quando tal não colide com o direito dos outros ao mesmo. A decisão de abortar é uma decisão de natureza pessoal, particular e íntima, sobre a qual a sociedade em conjunto não tem legitimidade para tomar posição, da mesma forma que tem a obrigação de defender a dignidade da vida humana face ao homicídio e à pena de morte.
Na obrigação geral de a sociedade proteger a dignidade da pessoa humana inclui-se a de proteger a mulher grávida contra atentados à vida intra-uterina de que é portadora, mas não se inclui a obrigação de proteger o feto contra a dignidade da vida da mulher grávida. O feto existe enquanto vida, mas não enquanto pessoa, porque a sua existência está subordinada à existência da mãe. Nessa medida, qualquer acção da mulher com repercussões sobre o feto, enquanto o feto não tem viabilidade, é um exercício do seu direito de dispor sobre a sua própria integridade física. O limite de razoabilidade a partir do qual pode deixar de ser uma mera questão de consciência pessoal e passa a ser uma questão de consciência colectiva, reproduzível na lei, é o momento a partir do qual o feto é viável - geralmente entre as 22 e as 27 semanas, o que também não é cientificamente consensual.
1. É uma constatação consensual, embora menos consensual do que deveria ser, que uma mulher não deve, em nenhuma circunstância, ser condenada pela realização de um aborto. A dúvida é sobre se isso implica que o possa realizar livremente em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
2. A liberdade do indivíduo impica o direito deste a dispor da sua integridade física quando tal não colide com o direito dos outros ao mesmo. A decisão de abortar é uma decisão de natureza pessoal, particular e íntima, sobre a qual a sociedade em conjunto não tem legitimidade para tomar posição, da mesma forma que tem a obrigação de defender a dignidade da vida humana face ao homicídio e à pena de morte.
Na obrigação geral de a sociedade proteger a dignidade da pessoa humana inclui-se a de proteger a mulher grávida contra atentados à vida intra-uterina de que é portadora, mas não se inclui a obrigação de proteger o feto contra a dignidade da vida da mulher grávida. O feto existe enquanto vida, mas não enquanto pessoa, porque a sua existência está subordinada à existência da mãe. Nessa medida, qualquer acção da mulher com repercussões sobre o feto, enquanto o feto não tem viabilidade, é um exercício do seu direito de dispor sobre a sua própria integridade física. O limite de razoabilidade a partir do qual pode deixar de ser uma mera questão de consciência pessoal e passa a ser uma questão de consciência colectiva, reproduzível na lei, é o momento a partir do qual o feto é viável - geralmente entre as 22 e as 27 semanas, o que também não é cientificamente consensual.
3. É por essa razão que o que vai ser referendado é a despenalização e não a liberalização do aborto. Se se admite que a mulher tem o direito de abortar até às 10 semanas, o Estado não pode abster-se de proporcionar o acompanhamento às mulheres que o entendam fazer, sob pena de negação da protecção à saúde (artigo 64.º da Constituição), com as consequentes implicações de saúde pública, de criminalidade decorrente do aborto clandestino e de desigualdade social entre quem pode suportar os custos de abortar em clínica médica no estrangeiro e quem não pode.
O incómodo de se tomar posição clara sobre a IVG resulta da constatação, também consensual, de que um feto é vida. Mas naturalisticamente não é uma pessoa, da mesma forma que, como alguém disse, um «ovo não é um pinto». A posição de cada pessoa sobre um problema de aborto em concreto depende em parte daquilo que é o seu percurso de vida, as suas referências e valores, e nem sempre é possível formular por antecipação uma resposta que seja válida para todos os casos. Se a minha companheira engravidasse e quisesse abortar, eu seria por princípio contra, mas o meu apoio a qulalquer que fosse a sua decisão não seria negado. Mas defender esta ou aquela concepção não pode ter como consequência uma imposição da sociedade sobre a consciência individual dos seus cidadãos.
8 comentários:
Como disse o Albino Aroso (militante ou próximo do PSD)na entrevista da Flor Pedroso, se não é crime desligar um cidadão da máquina se o coração continua a bater e o cérebro já não funciona, não sei porque o será se este ainda não chegou a funcionar.
Existe aquela velha piada sobre o Tom Cruise em que ele pergunta a uma mulher se ia para a cama com ele por 10 000 dolares ao que ela responde que sim.
- E por 20 dolares ? - ao que a mulher responde:
- O que é que pensa que eu sou ?
-Isso já estabelecemos, agora é só uma questão de preço.
Com a despenalização do aborto, a questão parece-me a mesma, a sociedade diz que a questão é só a do tempo - 10 semanas, 24 semanas...
Pelo que tenho visto na comunicação social, o empenhamento dos defesores do "Não" (incluindo a Igreja) é enorme.
Penso que podiam dispender melhor essas energias no auxilio aos que não foram abortados, existem familias numerosas, com falta de condições, pessoas a dormir na rua, crianças que deixam as escolas com 12 anos para irem trabalhar...
O aborto não é a solução para estes problemas e eles vão existir sempre. Mas é extremamente injusto obrigar a vir "alguém" que poderá não ser desejado, condenando esse "alguém" a uma vida menor.
Trata-se da liberdade individual e não deverá ser a sociedade a decidir sobre esta questão.
Olá a todos,
O ideal cívico compele-me a deixar-vos a minha opinião, velha de quase dois anos, mas à qual não retiro ou acrescento uma vírgula.
Um abraço,
Afonso Gaiolas
Sexta-feira, Abril 22, 2005
Referendo sobre o aborto, ou um aborto de referendo?
Diz-se daqueles que, apesar de receberem contínuos sinais de recusa das fêmeas que tentam cortejar, apesar de engolirem mais sapos do que as margens da ribeira de Cobres albergam, se insinuam de tal forma insistentemente que a conquista do troféu se dá pelo cansaço, diz-se, dizia eu, que a façanha foi conseguida por "esmagamento".
Serve esta analogia para ilustrar o que me parece ser o pensamento de alguns sectores da nossa sociedade face à problemática do aborto em Portugal.
Merece o assunto as controvérsias de proporções bíblicas que proporcionou nos últimos tempos?
Tudo isso e muito mais.
Penso, contudo, que muito se tem rematado, mas continuamente ao poste, poucas vezes se discutindo o que realmente interessa debater.
Vou começar pela própria palavra ABORTO - Acto ou efeito de abortar. Nunca o dicionário refere a aniquilação de um ser como significado da palavra, mas ao invés, define-a como a expulsão do feto antes do fim da gestação, ou ainda "o que nasceu (começou a ter vida exterior) prematuramente".
Curiosa esta diferença conceptual de vida exterior e interior, tão curiosa que nalgumas comunidades que não a nossa, de desenvolvimento imaculado e mãos sempre limpas, se considera a contagem de ambos os períodos na idade das pessoas.
Todos consideramos como o mais hediondo dos crimes a eliminação de um ser recém-nascido. Pois bem, construamos uma simples fita de tempo. No intervalo temporal D+x (sendo D o momento do nascimento e x qualquer período que escolhamos (1 mês, 1 ano, 10 anos, 100 anos, ...), a palavra assassínio estará sempre presente, se decidirmos aniquilar um ser humano em qualquer destas idades. Mais complexa se torna a análise se trocarmos o sinal da adição pelo da subtracção. A partir de que momento consideramos estarem reunidas todas as condições para que, em consciência, possamos afirmar existir VIDA? Pensar demasiado sem conhecimento científico suficiente, torna angustiante a busca de respostas. Confesso que foi o que me aconteceu. Tanto mais que a proliferação de artigos sobre o tema em causa só torna ainda mais nebulosa a formação de uma opinião. Uma fracção de segundo, um dia, dez, doze, dezasseis semanas ou nove meses?
Defendo que as leis de um país se devem reger pelos valores morais que os seus cidadãos consideram ser os correctos, nunca se devendo ceder à tentação de resolver um problema com outro problema. Não me serve portanto o argumento da falta de informação, da má qualidade das instituições de solidariedade social que prestam a educação a quem não pôde ser acolhido por uma família, da inconveniência temporal, ou qualquer outro de cariz similar.
Em coerência devo portanto afirmar que, sendo o valor da vida o mais importante na escala das pertenças individuais, a partir do momento em que cientificamente me provarem que a centelha existe, devem ser repudiados todos os actos contrários ao seu desenvolvimento e maturação.
Pois, pois, centelha é muito vago...
Estava só a tentar ganhar tempo para que o meu cérebro me ajudasse...
Disse cérebro?
Se trocarmos um rim, continuamos a ser nós próprios?
Concordam que sim!
Se trocarmos de coração, continuamos a ser nós próprios?
Concordam que sim!
E se trocarmos de cérebro?
Eu convictamente penso que não. Acredito aliás que a verdadeira fonte de longevidade para os seres humanos reside na substituição de "componentes", preservando ao máximo o único insubstituível - o cérebro.
Reside aqui portanto a resposta à minha pergunta.
É verdade que no momento da concepção, potencialmente temos uma vida a ser gerada. Mas estamos ainda no domínio das células indiferenciadas, e a verdade é que, mexendo os cordelinhos certos, ou errados, conforme o ponto de vista, podemos gerar uma miríade de monstruosidades que com a vida nada têm em comum. Não considero portanto que os inúmeros bancos de embriões existentes pelo mundo sejam imorais, uma vez que a essência de cada ser individual ainda não existe - que o cérebro ainda não se formou.
Parece ser cientificamente aceite que todos os principais componentes do cérebro são claramente distinguíveis praticamente cinco semanas após a concepção. Assim sendo, em nome da coerência, até essa data (ou qualquer outra mais precisa que cientificamente seja acreditada) não deveria ser criminalizada, penalizada, ou sequer moralmente condenável a decisão de inviabilizar a evolução do embrião. Dentro deste período, englobar-se-iam os casos excepcionais já previstos na nossa legislação, exceptuando claro o risco de vida para a mãe. Para a análise de malformações, ter-se-ia que fazer um esforço, grande, é certo, mas realizável se bem direccionado no sentido de, por análise genética, se determinar o mais precocemente possível a sanidade de cada futuro ser humano.
Tendo tornado clara a minha posição, resta-me tecer um comentário, necessariamente cáustico ao slogan "A barriga é minha, faço dela o que quiser!", e outras idiotices do mesmo calibre, que só tornam ridícula a posição de algumas mulheres, que pensam ser este o cavalo de batalha final contra a opressão masculina. É verdade que é o indivíduo do sexo feminino o veículo hospedeiro do novo ser que está a ser gerado, e que provavelmente é o acto mais nobre a que alguém poderá em toda a sua vida aspirar, mas isso não tira o direito e simultaneamente a responsabilidade do homem perante o seu filho. Deveríamos pois ver ambos os progenitores condenados pelo acto abortivo, se existisse o conhecimento da acção, mas pela mesma ordem de ideias, negar a unilateralidade materna na decisão de continuar, ou não, com o processo de gestação.
Quanto aos direitos sobre a barriga, esses são inalienáveis (embora algumas devessem receber mais conselhos sobre estética), mas quando se trata da geração de um novo ser, ainda e sempre reaparece o velho, mas sábio conceito, que sumariamente nos lembra que a liberdade individual termina onde começa a liberdade de terceiros.
Decidam em consciência!
A vida intra-uterina, porque dependente de quem a gera, merece uma maior protecção, que vá para além da própria decisão pessoal de quem carrega no ventre esse ser. Se é pessoa, ou não é pessoa, que interessa? É uma vida que se está a gerar e não faz sentido negar-lhe o nascimento. E o que a pergunta no referendo traz ínsita é que até às 10 semanas o aborto é livre, por qualquer razão, uma vez que sobre ele não recairá qualquer sanção penal. Se isto não se chama liberalização, então eu chamo-me laurinda.
Claro está, que não é indiferente o drama de quem aborta por necessidade. Também sobre esses casos acho que a lei deveria consagrar um estado de necessidade desculpante, uma vez que o motivo de saúde física e psíquica para abortar, que está consagrado na lei, não é cumprido. Agora, não me parece que se deva alcançar pela via da liberalização.
Esta tomada de posição não é nenhuma imposição à sociedade. Parece-me, aliás, um argumento redutor por parte do Sim. Porque se não querer negar a vida a um ser em formação, é impôr-me à sociedade, então que venham mais imposições destas. Portugal sempre se destacou no campo dos direitos humanos, e não precisa de ir a reboque de ninguém.
Obrigado pela sua participação, Laurinda.
Não tens de quê. Já agora, se aborto livre até às 10 semanas sem qualquer penalização não é liberalização, então é o quê?? Por uns momentos, fico com a dúvida se estamos a aplicar português no debate ou outra variante mais subtil.
João Gato, qual felino, diz que por natureza não defenderia um aborto de uma namorada sua. Mas se esta quisesse levá-lo avante teria todo o seu apoio. Natureza híbrida esta....Ou se calhar, o render à conformação da realidade. O macho deposita a fêmea, e depois pode ir pro bilhar grande, que a sua decisão, não é voto na matéria. Enfim, coisas da vida. Não é ele que emprenha, que tem de ver a barrigona crescer...Que tem de suportar os pontapés, e tudo o mais. Só a mulher o pode sentir. E seria absurdo que ainda tivesse que ver a sua vontade condicionada pelo parceiro do lado. Por isso eu voto Sim. Não aceito ser superior à mulher, nem que outros queiram impôr que eu seja superior à mulher, condicionando a vontade dela.
mr. macphisto,nosso visitante regular:
Natureza esquiva a sua. Por momentos julguei que deturpava o que eu dissera no post, de seguida concluo que não percebeu o que quis dizer, mas por fim acaba por fazer suas as minhas palavras, acrescentando outras.
Estamos do mesmo lado, não nos percamos em subtilezas estilísticas, não nos preocupemos em alimentar o ego.
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