Em declarações na passada terça-feira na Universidade de Regensburg, na Alemanha, Bento XVI manifestou-se contra o fundamentalismo religioso, afirmando que a jihad (guerra santa) do Islão é contra Deus e que defender a fé com a violência é uma coisa "irracional".
Hoje o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, tentou acalmar os ânimos que se agitaram na sequência das declarações do pontífice romano, afirmando que "não era intenção do papa realizar um "estudo profundo" sobre a jihad (guerra santa) e sobre o pensamento muçulmano a esse respeito e muito menos ofender a sensibilidade dos crentes".
Em vez de tentar pedir desculpa pela potencial ofensa contida numa declaração contra a guerra em nome de Deus e contra a violência em defesa da fé, teria sido mais interessante pedir desculpa pelas Cruzadas ou pela Guerra dos 30 anos, universalizando a condenação (correcta) da guerra santa a todas as confissões que a pregam ou pregaram (particularmente as que fazem por esquecê-lo).
5 comentários:
Começa a ser patética a mania de exigir permanente contrição à Igreja Católica. Por acaso, há muito que pediu desculpa sobre isto. Foi a única confissão religiosa que o fez, de resto. É curioso que nunca se use da mesma exigência com o Islão ou com os crimes cometidos em nome do materialismo de índole laicista e anti-clerical. Antes das cruzadas, bem antes, deu-se a tentativa de conquista da Europa. Cruzadas avant la lettre e de sinal contrário. E depois das cruzadas, muito depois, em nome desse materialismo laicista, realizaram-se genocídios de dimensões ímpares na história mundial. O vosso anti-catolicismo costuma ser mais sofisticado. Acho que, apesar da matriz deste blog, se dispensava o primarismo.
O tópico em discussão é a condenação de guerra santa. Se quisermos abordar o tema global da condenação da guerra e da violência subscrevo todas as afirmações condenatórias da violência jacobina, anti-clerical, totalitárias, materialistas e de qualquer outra sorte. Contudo, não é isso que o post aborda. O que se pretende realçar é a disparidade de critérios na apreciação por Bento XVI de um fenómeno que assume contornos idênticos, independentemente da confissão religiosa: guerrear e espalhar violência em nome de uma crença. Apontoei a correcção da acção de condenação, mas desaprovo a omissão de referência aos pecados próprios, ainda para mais porque no contexto das afirmações proferidas realça a tónica menorizante e crítica do Islão, perdendo-se em universalidade e dando-se o flanco a críticas de anti-islamismo, como as que se tem sucedido às declarações proferidas em Regensburg.
Quanto ao pedido de desculpa, se alude ao pedido genérico a Deus formulado por João Paulo II no ano do Jubileu, reitero o que na altura afirmei - o pedido de desculpas seria mais simpático se dirigido às próprias vítimas.
Finalmente, e não o referi ontem no post porque não tinha acedido na íntegra às declarações do Papa, cumpre assinalar que a citação do imperador Manuel Paleólogo em que este afirmou que o que Maomé trouxe de novo ao mundo passa apenas pelo mal e desumanidade só vem realçar a intenção discriminatória e o ataque ao Islão, demonstrando não uma intenção de condenar universalmente a guerra santa, mas sim de dar uma estocada na religião do vizinho. Posso ser um mero leigo primário, mas não parece lá grande exemplo para o diálogo entre religiões.
Enfim, são seguramente bizantinices minhas...
Seguramente.
Sugiro, a propósito, o seguinte exercício: introduza no Google a expressão "igreja pede perdão". Encontrará 166.000 entradas.
Ainda que destas algumas, poucas, possam corresponder a outras igrejas, constatará rapidamente que nenhuma outra confissão religiosa (ou ideologia ou doutrina) fez uma apreciação crítica tão aprofundada e publicamente significativa dos próprios erros. O pedido do Jubileu é um de muitos desses momentos. Os encontros de Assis são outros.
A maior ou menor simpatia de gestos deste tipo são avaliações que não comento. Registo, apenas, a sua quase exclusividade por parte da Igreja Católica.
A separação entre guerra santa e as outras é, em si, profundamente capciosa quando se divisa o cariz "missionário" de tantas outras acções militares levadas a cabo em nome de crenças anti ou para-religiosas.
Antes de referir o que disse o Imperador, Bento XVI não só não generalizou como restringiu cuidadosamente o objecto da sua conferência. Mais, qualificou a declaração do Imperador como sendo de uma "surpreendente agressividade" e terminou as suas palavras fazendo um apelo directo ao diálogo entre culturas e religiões.
Das suas palavras, cumpre, por isso, perceber o contexto em que foram proferidas e qual o sentido último das mesmas. E quando se faz esse exercício, dificilmente se poderá negar que a intenção menorizante não é nem evidente, nem óbvia.
É despropositado retirar qualquer propósito provocatório da citação de um diálogo usado como exemplo de duas visões sobre a relação entre a fé e a razão. E é intolerável que, doravante, não se possa citar nem proceder à exegese de nenhuma obra em que intervenha um muçulmano sob pena de incomodar os crentes no Islão. Se fosse esse o critério, o que diriam os católicos. Mas, já se sabe, a esses só se lhes exige arrependimento pelas tropelias e poder de encaixe.
Que muçulmanos radicais procurem descontextualizar uma citação de Bento XVI para hostilizar a Igreja Católica, até compreendo. Compreendo menos bem a simpatia apaziguante com a sua hiper-susceptibilidade, que tanto se enxofra com tudo o que sobre a sua fé se diz e que não tem um momento de penitência sobre o que, hoje, em nome da sua fé se faz. Mas deve ser defeito meu. Seguramente.
JV
Caro JV,
A separação da guerra santa de outras de cariz missionário releva apenas neste contexto, uma vez que se trata do dirigente máximo de uma confissão religiosa a pronunciar-se sobre o fenómeno. Não deve retirar-se da utilização do conceito qualquer simpatia ou menor censura de qualquer actividade bélica que procure impor comportamentos, ideologias ou sistemas filosóficos.
Quanto ao uso da citação do Paleólogo é precisamente a sua contextualização que suscita reparos. Em primeiro lugar, porque, apesar de não a acolher, utiliza uma linha de argumentação que associa o islão ao mal para demonstrar a irracionalidade da guerra santa. Em segundo lugar, porque obnubila as intenções moderadas que poderiam estar subjacentes à intervenção (sendo que a colagem da guerra santa apenas ao Islão prejudica a universalização da mensagem, sugerindo uma postura crítica apenas em relação a determinada confissão). Em terceiro lugar, porque não se trata de uma simples e inócua citação de um cidadão com limitada projecção: trata-se de uma citação pelo líder mundial da maior confissão cristã, com influência considerável nas relações inter-religiosas a nível planetário.
A título complementar, procedi a um apuramento e alargamento da operação de googlamento, o que revelou resultados interessantes:
Igreja Católica pede perdão: 66.100
Islão pede perdão: 14.900
Judaísmo pede perdão: 52.300
Budismo pede perdão: 14.200
Hinduísmo pede perdão: 13.500
Igreja Ortodoxa pede perdão: 10.700
Igreja luterana pede perdão: 705
Igreja Anglicana pede perdão: 447
Não querendo senão avançar uma hipótese, porventura a Igreja Católica pede desculpas com maior frequência, porque tem uma lista de pedidos de desculpa maior?
Já agora, se googlar "Boavista é Campeão" encontrará 268.000 entradas. Descontando eventuais campeonatos de juniores e juvenis, trata-se de um evento que ocorreu uma singela vez. Assim sendo, não sei se devemos continuar a trilhar o caminho do googlómetro para reforço argumentativo...
Com este episódio o diálogo inter-religioso pode ter entrado em declínio.
E isso é mau para todos!
:-(
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