A cerimónia dos Oscars de ontem prometia ser impregnada do perfumado charme da dissidência. Começou a ver-se que só poderia ser assim quando a concurso estavam os filmes que estavam, e a Academia deu seguimento quando chamou Jon Stewart para apresentar («a melhor oportunidade para ver tanta celebridade junta sem ser num jantar do Partido Democrático»). Valia a pena ficar acordado só para o ver.
O que se passou não desmereceu o prometido.
George Clooney abriu a noite da melhor maneira. Com um discurso que foi, a muitos títulos, perfeito, o empedernido e empenhado liberal à antiga declarou o seu orgulho em pertencer a uma comunidade que falava de SIDA, desigualdade e exploração quando ninguém falava, e que deu um Oscar a uma negro numa altura em que os negros só podiam sentar-se nas últimas filas dos cinemas. E a noite prosseguiu no mesmo registo, enfatizado no clip sobre filmes que abordaram questões sociais importantes. Farta de ser gozada numa América adormecida pela tribo de Bush, Hollywood sai do armário como que gritando «Liberal, and proud of it». Sacudiu o sufoco e assumiu-se. Não foi gritar e espernear à toa. Não houve folclore à Michael Moore. Foi despejar emoção contida que transbordou de tão cheio que estava o copo. Foi como que dizer a festa é minha, deixem-me dizer o que quero. Foi a celebração do orgulho de fazer filmes como uma oportunidade de provocar a inquietação do espírito através da arte e assim fazer a humanidade avançar.
Não gosto particularmente da instrumentalização da arte, mas de vez em quando faz bem assistir a estes assomos de lucidez. É o que resta de esperança na grandeza da América.
2 comentários:
Parece-me redutor associar o que resta de esperança na grandeza da américa às Artes. Não que esta não seja um elemento importante, porque o é, mas há muita mais esperança a sair das Terras do Tio Sam. Um exemplo: A nova abordagem à erradicação da pobreza extrema, com o maior aumento de sempre no envolvimento desta causa (apoio no combate à Sida, Malária, Tuberculose, água potável, etc, etc) de uma administraçaõ norte-americana a ter-se verificado precisamente nesta administração..Não quero com isto dizer que este governo actual é uma maravilha, porque não o é. Longe disso. Mas revela isto que estes últimos 6 anos não foram anos perdidos de todo..
Nao é de facto todos os anos que vemos 4 bons filmes nomeados. Como o outro dizia, a TV e os filmes nao podem ser só para entreter, têm que informar, têm que fazer o público "pensar". E estes filmes (falo sobretudo de Munique, Crash, Good Night and Good Luck e até Brokeback Mountain) informam e até vao mais longe: vão condenando.
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