terça-feira, fevereiro 14, 2006

Cartoons dinamarqueses: algumas reflexões

1. Alguns deles são racistas e xenófobos, comparáveis às pérolas artísticas anti-semitas produzidas em jornais por todo o mundo muçulmano;
2. Como tal, a Dinamarca e qualquer governo europeu, deviam demarcar-se dos media que os reproduzem - não esperaria outra reacção em relação a cartoons que negassem o holocausto ou que insinuassem que todos os africanos são estúpidos; neste caso em particular, bastava alguma sabedoria política para justificar statements políticos de repúdio;
3. Isto não tem nada a ver com 'liberdade de expressão': ninguém está a defender que se feche jornais e se ponha jornalistas na prisão. Os tribunais que decidam que medidas legais há a tomar. Trata-se, isso sim, de fazer um statement político em como aquele tipo de discurso xenófobo é inaceitável;
4. Protestos violentos no mundo islâmico: ainda surpreendem alguém? É importante condená-los. Mas como se diz em alemão 'cada varredor tem que começar pela própria entrada'. A condenação evidente da violência no mundo islâmico tem pouco a ver com a natureza xenófoba de alguns dos cartoons que, essa sim, tem as raízes no nosso back yard;
5. Não se trata de pedir desculpas: não vou desculpar-me pelas ideias racistas de meia dúzia de imbecis; bastava ao governo dinamarquês ter - a seu tempo - recebido os representantes de alguns países muçulmanos, dizer umas palavrinha agradáveis, e talvez a coisa se tivesse passado de outra maneira;
6. E por outro lado, talvez não: muitos desses países (Irão, Síria, Arábia Saudita) usam esta história como podem para legitimar os seus regimes repressivos e retrógrados. É verdade que não há declaração de repúdio do lado europeu que seja capaz de apaziguar algumas forças políticas no mundo islâmico. Mas estas legítimas considerações pragmáticas não significam que a Europa ignore os seus princípios e se esqueça de condenar a xenofobia "porque os outros meninos não nos ligam". E o objectivo não é apaziguar ninguém, mas antes sublinhar uma questão de princípio, independentemente do que o Irão - e outros - dizem, ou fazem.
7. Competição de cartoons a gozar com o holocausto no Irão: um regime grotesco a liderar um país doente e uma sociedade civil estupidificada por uma geração inteira de lavagem cerebral. Só nos resta a esperança de que a nova geração iraniana pós-revolucionária seja mais imune a este tipo de delírios do que a presente.

Mas entretanto eu espero que Israel se agarre bem à Bomba.

2 comentários:

Anónimo disse...

Nos pontos 5 e 6 a palavra "talvez" é importante. Sobretudo quando se conclui que a reacção espontânea esteve em preparação durante uns quantos meses. O problema não é de statements políticos, mas de understatements e overreactions.

A tendência para pôr a par quem fez uns desenhos com quem põe umas bombas é doentia (e muito típica).

E, já agora, isto tem mesmo que ver com liberdade de expressão. Se assim não fosse, por que motivo é a sua restrição a principal exigência dos fanáticos que orquestraram este delírio?

Pergunto-me se haveria um átomo da tolerância hoje empregue abundantemente pelos defensores da paridade das civilizações e do multiculturalismo para uma reacção cristã idêntica.

JV

Oppenheimer disse...

Diz o João:

"Pergunto-me se haveria um átomo da tolerância hoje empregue abundantemente pelos defensores da paridade das civilizações e do multiculturalismo para uma reacção cristã idêntica."


Não lhe sei responder. Só lhe posso dizer que a minha posição intransigente em relação a estas questões de princípio tem como raíz - entre outras - uma interpretação da história europeia profundamente influenciada pela má impressão do cristianismo, do catolicismo em particular e da violência que causaram em nome da religião - especialmente no que toca ao tratamento de minorias, fossem elas de que de natureza fossem. Por outras palavras: já houve "uma reacção cristã" comparável no passado. Felizmente que as coisas mudaram e que agora o cristianismo abraçou conceitos fofinhos como a 'civilização judaico-cristã'. Enfim, todos aprendemos muito e nunca pararemos de aprender.

E espero que não me esteja a acusar de fazer parte da "tendência para pôr a par quem fez uns desenhos com quem põe umas bombas". Tem razão, isso é doentio.

Mas conhecendo-me como me conhece, o João sabe que serer o último a vitimizar fanatismos, muito menos o islâmico. Tentei focar o mais possível a consciência europeia, e é isso que me preocupa.