segunda-feira, novembro 21, 2005

O Poder está na palavra

O cerne da entrevista de Cavaco Silva ao Público está nesta declaração, que aliás ilustra a fotografia de primeira página do jornal: «o Presidente pode pedir ao Governo ou à Assembleia que legislem em determinadas matérias».
Pode? Pode. No mesmo sentido em que qualquer cidadão o pode fazer, mas não no mesmo sentido em que 35 000 cidadãos eleitores podem impulsionar o processo legislativo, através da relativamente recente figura da iniciativa legislativa popular.
A questão é: deverá o Presidente, investido na dignidade do cargo, sujeitar-se a receber do Governo ou da Assembleia uma resposta negativa?

No âmbito de uma cidadania participativa, faz parte do exercício do direito de petição a susceptibilidade de as pretensões formuladas não serem acolhidas pelo órgão peticionado, da mesma forma que faz sentido ao peticionário insistir e procurar persuadir os órgãos do poder dos méritos da proposta peticionada bem como usar. Neste caso, um governo que ceda não tem de ser um governo frouxo, mas pode bem ser um governo que atende as reivindicações dos cidadãos.

Mas o Presidente tem por inerência de funções o dever de não precipitar este tipo de atritos; deve, isso sim, procurar resolvê-los.
Repare-se, a título de exemplo, no que diz Manuel Alegre no seu manifesto eleitoral, a propósito da inelegibilidade para cargos públicos de cidadãos a contas com a justiça: «se for eleito, não deixarei de colocar esta pergunta em mensagem à Assembleia da República.
Do que aqui se trata não é de encomendar ou pedinchar uma leizita a este e àquele, mas sim de identificar uma questão e submetê-la ao tratamento do órgão competente, para que este se pronuncie.
Quando Soares fez a famosa Presidência Aberta na área metropolitana de Lisboa não andou a pedir que se legislasse sobre rendimentos mínimos ou outras formas de intervenção social do poder político - apenas se limitou a mostrar situações de desigualdade social.

A magistratura de influência do Presidente não se faz de requerimentos. Faz-se de arrojo e sensibilidade, de coragem e sobriedade. E faz-se também da retórica que Cavaco tanto abomina, não da retórica oca e insipiente, mas da retórica que toca nas pessoas, que insufla esperança e aponta caminhos. Como seria o mundo se Martin Luther King não puxasse pelo sonho de uma pátria de homens livres e iguais? Como seria o mundo se Churchill não levantasse os britânicos contra o terror nazi?
A um povo não chega construir auto-estradas, é preciso saber para onde é a viagem.

Sem comentários: