quinta-feira, outubro 20, 2005
Rousseau e a República II
Um aspecto interessante da teoria política de Rousseau é a aparente ligação estreita entre esta e o movimento Jacobino. Ora os grande nomes do jacobinismo clássico, Robespierre, Saint-Just, consideravam-se seguidores de Rousseau. Por um lado isto parece bizarro: como é que uma filosofia política que advoga a democracia directa, a participação constante do cidadão na política (acima de tudo no processo de elaboração da Lei)pode ser compatível com, ou até ser usada para, justificar, o centralismo autoritário de 1793-94. (Mas os Termidorianos também eram uns malandros e o Directório... ui ui... marotos.)
Uma possível explicação desta intimidade entre o jacobinismo e Rousseau assenta na importância da ideia do colectivo político, da Nação. Os discursos de Robespierre justificam tudo e mais alguma coisa com a necessidade de salvar a Nação, de proteger a Nação, de combater os inimigos da Nação. Esta fetichização da 'Nação' como conceito abstracto, superior, quasi-religioso representa o principal elo de ligação com Rousseau. Porque este concede à Vontade Geral do Soberano uma qualidade a raiar o místico.
Assim, ambos colocam acima e para além da vida política de um qualquer país uma espécie de princípio regulador pseudo-divino. Tanto os Jacobinos da Grande Revolução como Rousseau pecam precisamente pela falta de atenção que dão à dimensão institucional da democracia que, essa sim, garante a longevidade do pluralismo. Robespierre pode cometer os maiores crimes em nome da Nação porque para ele só há uma Nação e ele sabe o que esta é e do que precisa. A oposição Girondina não se opõe a Robespierre, não se opõe aos Jacobinos: opõe-se à Nação. Não tem espaço na Nação. Tem que ser eliminada.
Rousseau significa activismo político e democracia directa assente no princípio quase místico da Vontade Geral do Soberano: trata-se de um cocktail ideológico eficaz para destruir Monarquias obscurantistas e outros obstáculos à criação de uma Nação; mas trata-se também de uma base frágil para um Estado de Direito.
Sem instituições democráticas não há Democracia.
Falta um bocadinho de separação de poderes a Rousseau, um bocadinho de Montesquieu.
Para mim pessoalmente Rousseau é inigualável a descrever a estupidez da Monarquia, a injustiça da Tirania e a nobreza da actividade cívica. Sem falar nas maravilhosas diatribes contra a Santa Madre (último capítulo do Contrato Social). Mas Rousseau não serve como ponto de partida positivo para uma democracia moderna e pluralista.
De resto, era boa gente, gostava de crianças.
Só não das dele.
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