quinta-feira, julho 05, 2007

É, de facto, uma questão de valores

Neste post no Insurgente, João Luís Pinto compara os gastos da monarquia britânica com os da Presidência da República portuguesa, procurando demonstrar que o custo per capita desta última instituição é superior. No quadro dos argumentos em favor da forma monárquica de governo, este é seguramente o menos convicto e mais oportunista que se pode invocar, para além de que assenta em pressupostos falseados. Senão vejamos.

Em primeiro lugar, toda a discussão em torno dos custos para o contribuinte da monarquia britânica assenta num pressuposto falacioso, que é o de fazer passar a ideia de que todo o custo da manutenção do fausto monárquico passa pelo financiamento proveniente dos cofres do Estado. Assim não é, uma vez que apenas o que é alocado através da "civil list" é que entra nas contas da monarquia britânica e são esses os dados que são apresentados. O resto, os demais custos de funcionamento, são suportados pela fortuna pessoal da monarca – que, se bem se recordam, até começar a pagar impostos na década de 90 do século passado, era a mulher mais rica do país. Sucede que a dita fortuna pessoal do monarca não é senão resultado de vários séculos de acumulação de património imobiliário e mobiliário, resultante da confusão das esferas públicas e privadas do monarca. Ou seja, a riqueza pessoal do monarca, que suporta os restantes gastos da instituição, desonerando aparentemente o contribuinte, mais não é do que o produto da retenção daquilo que deveria integrar o património nacional, mas que ficou afecto à pessoa do rei (nos estados que implantaram regimes republicanos, o destino do referido património foi o da integração nos bens do Estado uma vez extinta a instituição da coroa).
Aliás, a questão extende-se a outros membros da família real: os custos associados ao princípe de Gales são suportados pelas receitas do Ducado da Cornualha, por exemplo. Em suma, os números apresentados são aparentes, financiando-se a instituição monárquica à custa daquilo que deveria integrar o erário público, mas que ficou na esfera jurídica do titular da coroa.
Já agora, este património pessoal do monarca e de outros membros da sua família, bem como a “civil list”, alimentam ainda, para além da família real "nuclear" (os descendentes da actual soberana), uma série de primos em primeiro, segundo e terceiro grau da rainha, cujo relevo para o exercício de funções públicas e para a representação do Reino Unido é no mínimo discutível.

Em segundo lugar, o custo per capita apresentado é igualmente enganador. Assumindo que qualquer tipo de chefia de Estado acarreta necessariamente um custo mínimo (vencimento do titular, serviços de apoio, segurança, instalações, pessoal, etc.) que não variará em função da natureza monárquica ou republicana do regime, pretender operar uma simples divisão dos valores absolutos obtidos em ambos os países por uma população de quase 60 milhões num caso, e por outra de 10 milhões inflacionará necessariamente os custos per capita da segunda. Ainda assim, e apesar do raciocínio viciado, a diferença apresentada é de apenas 57 cêntimos.

Em terceiro lugar, um argumento invocado por um dos comentários ao post levanta a questão das receitas que a monarquia gera para o turismo do Reino Unido. Mais uma vez, penso tratar-se de um mito: a não ser que os membros da família real organizem e participem em espectáculos de saltimbancos para visitantes estrangeiros, parece-me que o que em grande parte atrai visitantes ao Reino Unido é a sua riqueza histórica e cultural. Como não me parece que num cenário de mudança de regime os palácios reais fossem dinamitados ou as jóias da coroa vendidas em hasta pública, os turistas que afluem aos milhões continuariam a afluir nos mesmos números. Já agora, quantos milhares de pessoas é que se espera que a Casa de Bragança atraia anualmente a Portugal?

Finalmente, ainda que as contas apresentadas espelhassem a realidade e a presidência da República custasse mais do que a monarquia britânica, a questão de fundo mantinha-se inalterada: devemos perpetuar a transmissão das funções de chefe de Estado por via hereditária, afirmando diariamente a desigualdade entre os cidadãos e promovendo uma forma de privilégio assente em argumentos irracionais, ou devemos continuar a eleger democraticamente o primeiro magistrado da República, exigindo-lhe uma prestação de contas no final do mandato e assegurando um exercício limitado, não vitalício, de funções? Ainda que o custo seja superior, continuo claramente a preferir a segunda opção e daria de bom grado mais do que os eventuais 57 cêntimos para manter essa realidade.

1 comentário:

Héliocoptero disse...

Não querendo questionar os argumentos do Pedro, seria talvez interessante fazer a mesma comparação entre repúblicas.

Porque é que, por exemplo, a Presidente da Finlândia tem coisa de onze pessoas para a auxiliarem no seu trabalho e o Presidente Português precisa de cerca de 40 só na Casa Civil?