terça-feira, abril 29, 2008

O Atlântico, o Doutor Salazar e algumas décadas

Estava a trabalhar e a ouvir um CD do West Side Story que comprei há dias quando decidi fazer uma pequena pausa para circular pelos blogs habituais. Ao passar pelo Arrastão, dei conta de mais um post do Daniel Oliveira a recordar a Eurovisão, desta feita com um post da nossa canção estreante, em 1964, a Oração. Parei o Bernstein, onde os Jets cantavam ameaças aos Sharks, e pus a tocar o António Calvário.
Eloquente como só a música o pode ser, fica um retrato do fosso entre a canção nacional, sadia, devota e honesta do Festival da Canção do Doutor Salazar, e a explosão de vitalidade e ritmo das ruas de Nova York, escrita e estreada 7 anos antes da primeira lusa aventura na Eurovisão.
Com o 25 de Abril fresquinho na memória, eis a oferenda de mais um argumento para revelar as portas que Abril abriu. Oiçam, comparem e digam-me lá se preferem o Portugal do Estado Novo, mantendo o País no congelador da História e impondo uma estética musical, ou a abertura artística das sociedades livres e democráticas.
António Calvário, Oração (1964)
West Side Story, America (1957)

2 comentários:

SAM disse...

Obrigado pelo video do America. Sem dúvida, uma das minhas passagens favoritas deste musical.

Definitivamente terei que arranjar um dvd ou algo e deixar de ficar só pelo audio. Até pq é essa mesma produção que eu tenho em audio e ao que parece toda a produção visual também deve ser muito boa.

Obrigado por me aguçar o gosto ;)

Anónimo disse...

Caro professor, na inteligente comparação que faz, salta à vista a pobreza e o conservadorismo estéril em que parte de Portugal (pelo menos a sua vida pública) vivia embrenhado. Contudo, é necessário guardar de certa cautela quando se atribui ao regime e aos condicionalismos políticos o exclusivo da responsabilidade do desfasamento.

Como muita boa gente tem vindo a alertar, a propósito das celebrações do Maio de 68, quando em Paris se faziam barricadas, em Londres e em Nova Iorque cantava-se já Lucy in the sky with diamonds, uma alusão que aos revoltosos estudantes franceses não diria nada... Ressalvando as devidas distâncias, que são muitas, é necessário reconhecer que no pós-guerra grande parte da Europa continental, incluindo aquela que vivia em liberdade, vivia alheada dos centros de maior dinamismo e produção cultural, mesmo a sofisticadíssima Paris. É o preço de uma guerra devastadora e do deslocar do Mundo para órbitas muito diferentes das de outrora. Portugal não é excepção, mais, limita-se a assistir ao agravar da sua condição de país periférico, com ou sem o professor Salazar...

Francisco Leal de Almeida.