sexta-feira, março 07, 2008

Matemática Eleitoral


Mesmo com o resultado das primárias de terça-feira passada, a contagem de votos e de delegados é claramente favorável a Barack Obama. O estado do Texas tem a particularidade de fazer utilizar ambos os métodos de escolha, atribuindo 126 delegados em primárias e 67 em caucuses e, se bem que Hillary tenha ganho as primárias com 51% dos votos, a contagem de votos nos caucuses, ainda a ser processada, vai dando a Obama a vantagem com 56%. As projecções da campanha de Obama apontavam ontem para que Hillary tivesse um saldo positivo de 4 delegados face a Obama no conjunto dos quatro Estados disputados, mas na CNN falava-se mesmo que a contagem definitiva de votos no Texas poderia dar a vantagem a Obama, aumentando a diferença para Hillary.

Estranho? Complicado?

Vamos um pouco mais longe. Apliquemos os dados destas primárias a um cenário de eleição geral, supondo que Hillary e Obama concorriam um com o outro à Presidência, cedendo à tentação de imaginar uma América sem Partido Republicano. Como o sufrágio é indirecto e o Presidente eleito por um colégio eleitoral em função do peso demográfico de cada estado no cômputo geral do país, apliquemos as regras de alocação de eleitores (538 no total), tendo presente que quem ganha um estado ganha a totalidade dos eleitores a ele atribuído. Num tal cenário, Hillary teria conquistado 219 eleitores, mercê de vitórias nos Estados mais populosos, contra apenas 182 de Obama.

Este cenário deixa propositadamente de fora os estados do Michigan e da Florida, cujas primárias foram dadas sem efeito porque as direcções locais desrespeitaram o calendário definido a nível nacional por ambos os partidos (embora a penalização dos republicanos consistisse em reduzir a metade o número de delegados do estado à convenção). A direcção do Partido Democrático proíbiu os candidatos de realizarem aí acções de campanha, mas as estruturas locais insistiram na realização das eleições. À excepção de Hillary Clinton e de Dennis Kucinich, todos os outros candidatos respeitaram essa imposição. Como foi a única candidata dos três favoritos a constar do boletim de voto, Hillary ganhou as eleições com enorme naturalidade.

Vamos então adicionar os eleitores destes dois estados à conta de Hillary, que fica assim com 263 e a apenas 7 de obter a maioria de votos no colégio eleitoral para ser eleita presidente. Se, Hillary vencer a Pennsylvania, estado onde as sondagens lhe dão larga vantagem, a maioria é largamente ultrapassada 284.

Obama teria de contentar-se com ser o candidato com mais votos (13.575.302 contra 13.281.636, fora os hipotéticos votos da Pennsylvania, embora seja de esperar que a diferença neste estado entre os candidatos não anulasse a diferença a nível nacional ), uma diferença proporcionalmente maior do que aquela de votos que Al Gore tev a mais do que George Bush em 2000, sendo que então Bush conseguiu apenas 271 votos no colégio eleitoral.´

Este é um exercício muito falível, porque há muitas variáveis que não podem ser tidas em conta numa análise deste tipo e que influenciariam certamente o resultado: a circunstância de em alguns estados só poderem votar eleitores registados no Partido Democrático e em outros só poderem votar estes e eleitores registados como independentes, o facto de as eleições se prolongarem no tempo, o que torna o cenário mais sensível à influência das dinâmicas de vitória dos candidatos na decisão dos eleitores dos estados que votam a seguir; e, sobretudo, a ausência de vários grupos demográficos que nunca votariam em qualquer destes delegados. Em suma, uma América diferente. Mas ainda assim, como cenário meramente hipotético, serve para perceber de que modo as regras da proporcionalidade permitem uma maior justiça na formação da vontade democrática do eleitorado. Estas são as regras adoptadas pelo Partido Democrático, mas não pelo Partido Republicano, nem pelo legislador constitucional americano. Estas são as regras que, em última análise, podem fazer com que a desvantagem de Hillary Clinton para Barack Obama seja virtualmente irrecuperável.

1 comentário:

Nuno D. Mendes disse...

Queria apenas deixar a nota de que a Constituição Americana não prescreve como é que os estados escolhem os eleitores do Colégio Eleitoral. Assim, a regra do "winner takes it all", embora seja adoptada pela generalidade dos estados (com apenas 2 excepções creio), não é uma imposição do legislador constitucional.